Wednesday 28 October 2009

A POBREZA DE LIDERANÇA

fonte:EI

(tradução Ana Cecilia Fonseca, equipa TPG)

A POBREZA DE LIDERANÇA

Osamah Khalil, The Electronic Intifada, 7 de Outubro de 2009

Legenda da imagem: Salam Fayyad, o “primeiro-ministro” nomeado da Autoridade Palestiniana e um favorito do governo americano e investidores, está a ser preparado para suceder ao Presidente Mahmoud Abbas.

Uma onda de censura surgiu quando o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (United Nations Human Rigths Council’s – UNHRC) adiou, a 2 de Outubro, o voto do relatório Goldstone, o qual acusa Israel de crimes de guerra aquando da invasão, durante o inverno, da Faixa de Gaza. O adiamento surgiu a pedido da Autoridade Palestiniana Ramallah (AP), pelo embaixador para as Nações Unidas em Genebra, Ibrahim Khraishi. Os palestinianos, a um nível global e ao longo do espectro político, Têm sido ultrajados não só quanto ao inacreditável acto de cobardia e inaptidão, mas também quanto a uma traição de maior ordem. Na verdade, em qualquer parte do mundo seria considerado equivalente a traição. Infelizmente e sem surpresas, é o que se passa na liderança de Mahmoud Abbas.

Enquanto as reacções de choque e raiva sobre as acções de Abbas são compreensíveis, ignora-se como se ele se tem comportado até à data. Na realidade, enterrar o relatório Goldstone representa o culminar de uma concertação e incompetência que data ao tempo da sua (breve) passagem pelo então recém-criado posto de primeiro-ministro em 2003.

Assim como o recente primeiro-ministro nomeado, Abbas demonstrou desprezo ao aparecer ao lado do então presidente dos E.U.A., George W. Bush, e do primeiro-ministro israelita Ariel Sharon, debitando um discurso que parecia ter sido escrito por um funcionário de baixo nível – funcionário do Departamento – com uma menção insignificante ao sofrimento palestiniano.

No entanto, este início catastrófico foi um destaque quando comparado com o seu mandato subsequente. Depois de ter sido ignorado por Bush e Sharon no seu primeiro ano de mandato, Abbas colaborou com os E.U.A. e Israel, numa tentativa de minar e derrubar o Hamas do governo eleito em 2006.

Após a tomada de poder do Hams em Gaza um ano depois, Abbas nada mais fez que aprovar o cerco de Israel, chegando ao ponto de instruir um embaixador da Autoridade Palestinana na ONU no sentido de bloquear uma tentativa por parte de Qatar e da Indonésia em obter uma resolução do Conselho de Segurança “expressando preocupação” com uma “crise humanitária pendente”. À medida que o cerco apertou, Abbas insultou o próprio povo de forma repetida, ridicularizando os seus esforços para romper o cerco, bem como as tentativas feitas por parte de activistas para chamar atenção para a sua situação e apelar à solidariedade internacional.

A julgar pelas suas repostas desastradas e inconsistentes dadas nos últimos dias, Abbas e os seus companheiros foram, claramente, apanhados de surpresa pela reacção ao adiamento. Depois de fazer o anúncio ridículo de que iria autorizar uma investigação sobre o que aconteceu no UNHRC, Abbas enviou o ministro dos negócios estrangeiros da Autoridade Palestiniana, Riyad al-Maliki, a Nova York para participar numa reunião de mergência do Conselho de segurança das Nações Unidas que foi convocada a pedido da Líbia para a discussão do relatório Goldstone.

Independentemente do que acontecer no Conselho de Segurança, qualquer observador racional deve perguntar: que tipo de “presidente” é Mahmoud Abbas, e quem é que ele representa?

É aí que reside o busílis. O mandato de Abbas como presidente expirou a 9 de Janeiro, desde aí tem continuado a exercer o cargo com base em poderes extra-constitucionais para casos de emergência. Não é somente o imperador sem indumentária, também lhe falta a legitimidade. No entanto, possui uma guarda pretoriana recém-formada e equipada, cortesia de Washington e E.U.A. Lt., General William Dayton. A única finalidade dessa força é a de garantir a continuação de Abbas e o seu primeiro-ministro nomeado, Salam Fayyad, e portanto, também do partido Fatah.

Em demonstração durante a conferência da Fatah deste verão, a nova força de segurança demonstra que enquanto a agenda neoconservadora sobre a liberdade da administração Bush desapareceu, esta é substituída por uma agenda de repressão sob o pretexto da estabilidade e da “realpolitik”. Os palestinianos vão ter dificuldades em descobrir a diferença.

Seja ou não a tentativa desastrada de arquivar o relatório o ponto de viragem na continuação de Abbas, o processo de sucessão está em andamento há vários anos. No entanto, está a ser coordenado pelos E.U.A. e Israel e não é reflexo dos desejos e anseios do povo palestiniano. O provável sucessor de Abbas é Fayyad, quem, de alguma forma, consegue ser ainda menos inspirado e impopular.

No entanto, tal nunca se saberia tendo em conta a cobertura da imprensa bajuladora que recebeu nos media norte-americanos ao longo dos últimos meses, incluindo o The New York Times, Time Magazine e o The Los Angeles Times. Fayyad é o favorito não só entre os líderes americanos e europeus, mas também entre os investidores que beneficiam e garantem o estado permanente de dependência que define a indústria palestina.

Apesar dos elogios das diferentes facções e das reivindicações hiperbólicas de planificação efectiva de uma instituição de construção, o registo de Fayyad é extremamente leve tendo em conta as últimas conquistas. Sem sucesso eleitoral em que se possa apoiar, fica apenas com um “sucesso” verificável: introdução do depósito directo na Autoridade Palestiniana, em especial os serviços de segurança. Sem dúvida de que este foi um trabalho difícil, principalmente devido à oposição do falecido presidente Yasser Arafat. No entanto, o que nunca é discutido na imprensa é facto de os feitos individuais de Fayyad mal o qualificarem para ser ministro das finanças – a sua posição quando o depósito directo foi implementado – quanto mais como primeiro-ministro ou como presidente. Mas aqui não se trata de feitos ou qualificações, não será assim que a AP funciona.

Fayyad era um favorito da administração Bush, especialmente do ex-presidente, e até agora esse status foi mantido durante a administração Obama. Tanto a administração Bush como a de Obama têm manipulado cuidadosamente Abbas e Fayyad, garantindo a desconfiança mútua, a falta de competitividade e insegurança, a fim de manter uma liderança fraca e irresponsável em dívida para com os E.U.A. e Israel e não para com o povo palestiniano. Entretanto, os mesmos apoiantes do governo de Abbas e Fayyad, que nunca se cansaram de aclamar cada palavra de Bush e da ex-secretária de Estado, Condoleeza Rice, sem ter em conta se as suas políticas seriam destrutivas para os direitos dos palestinianos, já procuram outro campeão em esforços parcos na administração Obama. Uma vez mais, aos palestinianos é dito que outro presidente americano está a prestar “atenção” à sua “situação” e que está “concentrado” no processo de paz.

Tudo isto já foi dito antes, e a não ser que os palestinianos recuperem o seu movimento nacional, vamos voltar a ouvir o mesmo vezes sem conta. Os palestinianos e todos os que simpatizam com a sua causa terão de reconhecer que Abbas e o seu clã abandonará qualquer vantagem e minará qualquer iniciativa que ameace a sua posição, privilégios e riqueza que foram acumulando na sua estadia no poder. A AP não se irá dissolver mas atrapalhará e impedirá qualquer progresso ou esforço que ameace verdadeiramente a ocupação e o sistema de apartheid de Israel, de que são uma componente fundamental e beneficiários directos. Não importa o que activistas de sucesso em todo o mundo têm contra o apartheid de Israel e a ocupação, a AP apaga esses ganhos. Histórias de corrupção, incompetência ao mais alto nível da AP não são novidade e não são sequer chocantes.

A verdade é que, no entanto, os palestinianos permitiram que esta situação persistisse. O resultado é o facto de o governo de Abbas ter crescido de forma mais exponencial, e ser óbvia as sua colaboração com a ocupação, um facto completamente compreendido em Genebra a 2 de Outubro.

Os convites de demissão de Abbas estão há muito tempo ligados à questão de nunca se ter encontrado apto a ser presidente do povo palestiniano.

Da mesma forma, Salam Fayyad, demonstrou que é mais uma ferramenta à espera de ouvir o chamado do seu mestre para a ascensão no poder. Estes homens são, certamente, responsáveis pelo fiasco em Genebra, mas os palestinianos também se devem perguntar: quem mais é responsável? No fim de contas, o importante neste contexto não é só quem tomou e implementou esta decisão irresponsável, mas também os eleitos e nomeados para a liderança do povo palestiniano que estavam presentes e que no seu silêncio a deixaram passar em branco. Até à data, as censuras foram pesadas mas as demissões têm sido poucas, e algumas sendo no âmbito de um auto-serviço.

O que há para questionar ainda, é: onde estão os restantes? Na verdade, a medida para os palestinianos avaliarem os seus líderes tem agora de ser: o que faz quando Abbas arquiva o relatório Goldstone? Opõe-se? Ou permanece no silêncio? Quis agir? Ou foi conivente? Para aqueles que se dizem líderes e representantes é assim que o julgamento será dirigido – agora e pela História – que não restem dúvidas, existirá um acerto de contas e terá de ser feita uma escolha.

Ausente deste debate está o que aconteceu nessas três semanas em Gaza. Aproximadamente 1 500 palestinianos foram mortos, incluindo 109 mulheres e 320 crianças, e milhares forma feridos. Infra-estruturas básicas, casas, empresas e escolas foram destruídas e, por causa do cerco, ainda estão para ser reconstruídas. O uso de bombas de fósforo branco e bombas-dardo de forma indiscriminada e atingindo áreas civis, o uso de escudos humanos, a lista continua. Ao arquivar o relatório Goldstone, os E.U.A., Israel e a AP esperam também ver arquivados esses crimes. Com Gaza isolada e cercada, acreditam que as alegações de crimes de guerra israelitas serão ultrapassadas por outros acontecimentos e perdidas nos media.

Considerando a pobreza de liderança do regime de Abbas, cabe às pessoas conscientes apontar a falha e garantir que Gaza não é esquecida e que a AP, tal como a ocupação que serve, acaba no monte de cinzas da História.

Osamah Khalil é um doutorando em História dos E.U.A. e Médio Oriente na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e um colaborador frequente da Intifada Electrónica. Poderá ser contactado em ofkhalil@gmail.com.

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