Thursday 14 January 2010

O Muro de Ferro

fonte:Counterpunch


Bloqueio Egípcio

O Muro de Ferro


Por Uri Avnery



tradução Ana Sofia Gomes, equipa Todos Por Gaza




Uma coisa estranha, quase bizarra, está a acontecer no Egipto durante estes dias.

Cerca de 1400 activistas de todo o mundo juntaram-se ali para depois seguirem para a Faixa de Gaza. No aniversário da Guerra “Chumbo Fundido”, tencionam participar numa manifestação não violenta contra o bloqueio continuo que torna a vida dos 1,5 milhões da habitantes da Faixa intolerável.
Simultaneamente, outros protestos tiveram lugar em vário países. Também em Tel Aviv foi planeado um grande protesto. O “comitá monitorizador” dos cidadãos árabes de Israel iria organizar un evento na fronteira com Gaza.
Quando os activistas internacionais chegaram ao Egipto, uma surpresa aguardava-os. O governo egípcio proíbiu a sua viagem a Gaza. Os autocarros foram parados nos arredores do Cairo e voltaram para trás. Manifestantes individuais que conseguiram chegar ao Sinai em autocarros normais foram retirados dos mesmos. As forças de segurança egípcias fizeram uma caça aos activistas.
Os activistas enraivecidos cercaram as suas embaixadas no Cairo. Na rua em frente à embaixada francesa, surgiu uma tenda que rapidamente foi rodeada pela polícia egípcia. Vários manifestantes juntaram-se em frente das suas embaixadas e exigiram ver o embaixador. Muitos activistas que têm mais de 70 anos, iniciaram uma greve de fome. Em todo o lado, manifestantes foram detidos pelas unidades de elite egípcias que vestiam o equipamento anti-motim, enquanto que as carrinhas dos canhões de água se encontravam atrás. Os manifestantes que tentaram reunir-se na praça central de Tahrir (libertação) no Cairo foram maltratados.
No fim, depois de um encontro com a mulher do presidente, foi encontrada uma solução tipicamente egípcia: foi permitido que cem activistas entrassem em Gaza. O resto permaneceu no Cairo, admirados e frustrados.
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Enquanto os manifestantes estavam a arrefecer as ideias na capital egípcia e tentavam encontrar formas de libertar a sua raiva, Binyamin Netanyahu foi recebido no palácio presidencial no coração da cidade. Os seus anfitriões foram longe nos elogios e na celebração da sua contribuição para a paz, especialmente o “congelamento” da construção de colonatos na Cisjordânia, um falso gesto que não incluiu Jerusalém Oriental.
Hosni Mubarak e Netanuahu já se tinham encontrado no passado, mas não no Cairo. O presidente egípcio insistiu sempre que os encontros tivessem lugar em Sharm-al-Sheikh, o mais longe possível dos centros populosos. O convite para o Cairo foi, portanto, um passo significativo na aproximação de relações.
Como prenda especial para Netanyahi, Mubarak concordou em permitir a centenas de israelitas vir ao Egipto e rezar no mausoléu do Rabi Yaakov Abu-Hatzeira que morreu e foi enterrado na cidade egípcia de Damanhur há 130 anos quando ia a caminho da Terra Santa a partir de Marrocos.
Há qualquer coisa de simbólico em tudo isto: o bloqueio de manifestantes pró-palestiniano a caminho de Gaza ao mesmo tempo do convite dos israelitas para virem a Damanhur.
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Podemo-nos interrogar sobre a participação egipcía no bloqueia à Faixa de Gaza. O bloqueio começou antes da Guerra de Gaza e tornou a o território naquilo que tem sido descrito como “a maior prisão do mundo”. O bloqueio inlcui tudo excepto medicamentos essenciais e a produtos alimentares muito básicos. O senador dos EUA John Kerry, ex-candidato à presidência, ficou chocado ao ouvir que o bloqueio incluía massa – o exército israelita na sua infinita sabedoria designou este alimento como um luxo. O bloqueio abrange tudo – desde materiais de construção até aos livros escolares das crianças. Tirando os mais graves casos humanitários, ninguém pode passar da Faixa de Gaza para Israel ou para a Cisjordânia e o mesmo aplica-se para o sentido contrário.
Mas Israel controla apenas três lados da Faixa. As fronteiras Norte e Este estão bloqueada pelo exército israelita, a fronteira Ocidental pela marinha. A quarta fronteira, a do Sul, é controlada pelo Egipto. Portanto, todo o bloqueio seria ineficaz sem a participação egípcia.

Ostensivamente, isto não faz sentido. O Egipto considera-se a si próprio como o líder do mundo árabe. É o país árabe mais populoso situado no centro do mundo árabe. Há cinquenta anos atrás, o presidente egípcio, Gamal Abd-al-Nasser, era o ídolo de todos os árabes, especialmente dos palesinianos. Como pode o Egipto colaborar com o “inimigo sionista”, como chamavam os egípcios a Israel, para por 1,5 milhões de irmãos árabes de joelhos?
Até recentemente, o governo egípcio defendia uma solução que representa bem o poder político egípcio de 60 000 anos. Participou no bloqueio mas fechou os olhos às centenas de túneis escavados por baixo da fronteira Egipto-Gaza através dos quais passavam abastecimentos diários para as populações (por preços exorbitantes e com lucros altíssimos para os mercadores egípcios), juntamente com armas. Também pessoas passaram por eles – desde activistas do Hamas até noivas.
Isto está prestes a mudar. O Egipto começou a construir um muro de ferro – literalmente – ao longo de toda a fronteira com Gaza, consistindo em pilares de aço enterrados profundamente no chão de modo a bloquear todos os túneis. Isto vai finalmente sufocar os habitantes.
Quando o grande extremista sionista, Vladimir Ze'ev Jabotinsky, escreveu à 80 anos atrás sobre erguer um “muro de ferro” contra os palestinianos, nem sonhou que seriam os árabes a fazer exactamente isso.
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Por que é que o fazem?
Existem várias explicações. Os cínicos dizem que o governo egípcio recebe um subsídio americano altíssimo todos os anos – quase dois mil milhões de dólares – por cortesia de Israel. Começou por ser uma recompensa pelo tratado de paz egípcio-israelita. O lobby israelita no Congresso dos EUA pode pará-lo a qualquer altura.
Outros acreditam que Mubarak tem medo do Hamas. A organização começou por ser um ramo palestiniano da Irmandade Muçulmana, que continua a ser a principal oposição ao seu regime autocrático. O eixo Cairo-Riad-Amã-Ramllah está num posição contra o eixo Damasco-Gaza que está aliado ao eixo Teerão-Hezbollah. Muitos acreditam que Mahmoud Abbas está interessado em apertar o bloqueio a Gaza para prejudicar o Hamas.
Mubarak está zangado com o Hamas que se recusa a dançar ao seu tom. Como os seus prodecessores, ele exige que os palestinianos obedeçam às suas ordens. O presidente Abd-al-Nasser esteve zangado com a OLP (um organização criada por ele para assegurar o controlo egípcio sobre os palestinianos mas que lhe escapou quando Yasser Arafat subiu ao poder). O presidente Anwar Sadat esteve zangado com a OLP por ter rejeitada o Acordo de Camp David que prometia aos palestinianos apenas “autonomia”. Como se atrevem os palestinianos, um povo pequeno e oprimido, a recusar o “conseolho” do Grande Irmão?
Todas estas explicações fazem sentido. Contudo, a atitude do governo egípcio continua a ser espantosa. O bloqueio egípcio a Gaza destrói as vidas de 1,5 milhões de seres humanos, homens e mulheres, velhos e crianças, a maior parte dos quais não são activistas do Hamas. Isto é feito publicamente, diante dos olhos de centenas de milhões de árabes, 1,250 milhões de muçulmanos. Também no próprio Egipto, milhões de pessoas estão envergonhadas pela participação do seu país em deixar irmãos árabes a morrer à fome.

É um política muito perigosa. Por que é que Mubarak a segue?

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Provavelmente, a verdadeira resposta é que ele não tem escolha.
O Egipto é um país muito orgulhoso. Quem quer que seja que esteve no Egipto sabe que mesmo os mais pobres estão cheios de orgulho nacional e é facilmente insultado quando o sua dignidade nacional é ferida. Isto foi posto em evidência há algumas semanas, quando o Egipto perdeu um jogo de futebol contra a Argélia e comportou-se como se tivesse perdido uma guerra.
“Considerem isto a partir destas Pirâmides, 40 séculos observam-te,” disse Napoleão aos seus soldados na véspera da Batalha do Cairo. Cada egípcio sente que 6000 – alguns dizem 8000 – anos de História observam-no a tempo inteiro.
Este profundo sentimento vai contra a realidade numa altura em que a situação do Egipto se torna cada vez mais miserável. A Arábia Saudita tem mais influência, o pequeno Dubai tornou-se um centro financeiro internacional, o Irão está crescer como potência regional. Contrariamente ao Irão, onde os Ayatollahs pediram às famílias para se limitarem a dois filhos, a natalidade egípcia está a devorar tudo, condenando o país à pobreza permanente.
No passado, o Egipto foi bem sucedido em equilibrar as suas fraquezas internas com os seus sucesso exteriores. O mundo inteiro considera o Egipto como o líder do mundo árabe, tratando-o como tal. Nada mais.
O Egipto está numa má situação. Portanto, Mubarak não tem escolha senão seguir os dictames dos EUA – os quais são, de facto, dictames isrealitas. Esta é a verdadeira explicação para a sua participação no bloqueio.

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Quando falei na manifestação em Tel-Aviv, depois de termos marchado pelas ruas protestando contra o bloqueio, abstive-me de mencionar o Egipto.
Confesso que gostei muito das pessoas que conheci durante as minhas visitas ao Egipto. O “homem da rua” é muito bem vindo. No seu comportamento para com cada um há uma atmosfera de tranquilidade, uma ausência de agressão, um sentido de humor egípcio especial. Até os mais pobres mantêm a sua dignidade no meio de condições adversas e miseráveis. Eu não os ouvi queixar-se. Em todos os seus milhares de anos de história, os egípcios revoltaram-se nada mais que três ou quatro vezes.
Esta paciência lendária também tem o seu lado negativo. Quando as pessoas estão resignadas, isto pode impedir o progresso económico, social e político.
Parece que o povo egípcio está pronto para aceitar tudo. Desde os faraós de antigamente até ao faraó de hoje, os seus governantes enfrentam pouca oposição. Mas poderá chegar o dia quando o orgulho nacional ultrapassará até esta paciência.
Como israelita, eu protesto contra o bloqueio israelita. Se eu fosse egípcio, protestaria contra o bloqueio egípcio. Como cidadão do planeta, protesto contra ambos.
Uri Avnery é um escritor israelita e acitivista de paz no Gush Shalom.
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