fonte: Info Palestine
Carta aos participantes da Marcha
pela Liberdade de Gaza
Nahla Chahal – CCIPPP
tradução Maria Rodrigues equipa TPG
Caros participantes na Marcha pela Liberdade
Cheios de confiança, suscitada pela consciência da justeza da vossa acção, vós, os 1400 participantes na Marcha pela Liberdade de Gaza, haveis feito, durante meses, a preparação para o encontro com os habitantes de Gaza, neste primeiro aniversário da agressão israelita.
Atrás de cada um de vocês, estão dezenas de pessoas vossas familiares e amigas que conhecem, aprovam e apoiam a vossa acção e esperam o vosso regresso. Tal como centenas de activistas de variadas associações em todo o mundo trabalharam dia e noite para a preparação da marcha. Algumas dessas organizações nunca tinham trabalhado em conjunto; mas aprenderam a discutir, a negociar, procurando a coordenação e encontrando pontos de entendimento, e sobretudo reflectiram sobre as necessidades desta Marcha pela Liberdade de Gaza, firmemente defendida para que fosse bem sucedida. É o que podemos oferecer aos Palestinianos, de modo a que a esperança possa ser mantida e que se avance na construção da solidariedade internacional. Todos somos benévolos, mesmo que não tenhamos todos o mesmo grau de conhecimento do terreno e das realidades políticas.
Chegados ao Egipto, vocês tiveram o vosso baptismo de fogo, julgando que as negociações havidas entre os organizadores da marcha e as autoridades egípcias tinham algum significado. Quanto mais as negociações avançavam, indo ao pormenor dos números de passaporte e de voos, mais forte era a crença na realização da marcha e na possibilidade de estar em Gaza antes do fim do ano. Foi até negociado o calendário e o horário da passagem de cada grupo, escalando-os pelos dias 27, 28 e 29. Tudo foi comunicado ao ministro dos Negócios Estrangeiros egípcio, com toda a transparência, sendo nosso objectivo a passagem para Gaza via Egipto.
Ora, entretanto, o poder egípcio viu-se face a exigências às quais esperava seguramente poder esquivar-se nessa precisa data!
A administração americana deixou filtrar a sua “solução para o conflito do Médio-Oriente”, dita “Confederação Sagrada”, que exclui o Egipto dos seus planos e o priva do maná que essa solução é suposta gerar. A dita “Confederação Sagrada” seria uma entidade que englobaria Israel, a Jordânia e o Estado Palestiniano, com Jerusalém praticamente internacionalizada. Terá sido este plano que inspirou a iniciativa sueca, retomada pela União Europeia, que fala de um estado palestiniano nas fronteiras de 1967. Será este plano que inspira o primeiro ministro palestiniano Salam Sayyad que fala de um “estado palestiniano dentro de dois anos” e que se esforça por dotá-lo desde já de instituições? Será uma boa solução para a Jordânia que está assustada ao ver-se designada como “pátria alternativa” (ideia israelita frequentemente evocada)? 30% dos palestinianos do mundo inteiro aí vivem, formando pelo menos metade da população. Haverá muito dinheiro para fazer viver essa confederação, que será suficientemente sustentada pelos cuidados dos Estados Unidos na protecção aos problemas deixados por conta, nomeadamente, as confiscações de terras, os refugiados, a normalização prometida a Israel pelo conjunto do mundo árabe… e a total negligência de todo o conceito de direito!
Embora os seus bons resultados sejam muito pouco prováveis, esta proposta determinará as negociações e as conferências dos próximos anos. Mas ela marginaliza o Egipto, tanto no plano político como no plano financeiro. Ela despreza o Presidente da Autoridade Palestiniano Mahmoud Abbas, arquitectando propostas de soluções nas suas costas e não lhe prestando a devida atenção. Despreza também, e ainda mais, o Hamas, tendo sido intransigente no decorrer das negociações de troca de prisioneiros, conduzidas de início pelo Egipto, e tendo seguidamente convidado o intermediário alemão para garantir maior eficácia. O Egipto também a rejeita, não tendo querido assinar o acordo de “reconciliação nacional” com a Fatá, esforçadamente preparado. Tantas ocasiões falhadas para assegurar e manter a centralidade do Egipto (mesmo se os detentores do poder não vêem a diferença entre o país e eles próprios, quer se trate destes dossiers, quer de tudo o resto). Foi demais!
Era preciso portanto mostrar que o Egipto era incontornável! Então a concretização do “muro invertido”, imaginado por um engenheiro americano louco, tornava-se uma necessidade! Isso coincidia com a data do aniversário da agressão militar israelita? Tanto pior! Os trabalhos começaram, vigiados dia e noite por uma unidade especial da CIA. É um plano diabólico. Trata-se de inundar os túneis que têm permitido a circulação de produtos entre o Egipto e o território da faixa de Gaza. As barras de aço que perfuram o solo, atingem 30 metros de profundidade – água bombeada do mar enche os túneis, transformando-os em canais. Quanto mais estes detalhes são revelados, tanto mais as autoridades egípcias entram em provocação: dizem ser uma questão de soberania. Era bastante delicado deixar passar, mesmo ao lado do estaleiro, 1400 activistas da Marcha pela Liberdade de Gaza, enquanto eclodia o confronto entre palestinianos e polícias egípcios. Então, os responsáveis egípcios dizem Não à marcha, convocada pelo colectivo “Viva Palestina”, que negociou durante meses esta iniciativa, tendo conseguido duas passagens durante o ano de 2009. Nós protestamos? Eles mentem, dizendo que somos desordeiros, que provocamos distúrbios, que insultamos o Grande Egipto, e mais dis-que-dis.
A esta primeira razão, junta-se uma outra ainda menos gloriosa: as autoridades israelitas não vêem com bons olhos estes “terro-turistas”, no dizer de Israel. E ainda menos que eles venham precisamente nesta data quebrar o cerco de Gaza, juntando as suas vozes aos que, de todo o lado, condenam Israel. Se este não deixa passar para Gaza diplomatas europeus, como não esperar do seu aliado a interdição da Marcha pela Liberdade? Foi pedida e foi aceite.
Netanyahou quer visitar o Cairo? Até declarou que a visita se realizava a seu pedido… Isso é embaraçante, por causa desse vão aniversário; mas como estamos entre adultos, não vamos ser susceptíveis.
Aparte, os responsáveis egípcios falam justamente dessas enormes pressões sobre o país – de facto, sobre o poder. Mas esse poder fez tudo para se libertar de outro tipo de pressões que podia até equilibrar aquela: a pressão do povo e a dos movimentos políticos. O Cairo tem 17 milhões de habitantes, dos quais 11 milhões vivem em bairros de lata, uma espécie de favelas sem infra-estruturas, que rodeiam a cidade e onde impera uma total miséria (a palavra é fraca). Trata-se de uma população excedentária, na qual as autoridades nem pensam, ocupadas como estão em “construir o progresso do Egipto”. Esse “progresso” é visível: blocos de cimento (“cidades novas”, isoladas por muros de protecção e guardas armados), ocupadas por grandes multinacionais, numerosas e prósperas, grandes escolas e universidades privadas, supermercados e armazéns de luxo… e as residências dos novos ricos, incluindo os ministros. O poder também instalou forças especiais de segurança: um milhão e quatrocentos mil agentes policiais da sinistra “Segurança Central”. Estão essencialmente concentrados na cidade do Cairo, treinados em acções anti-motim, e francamente sem limites no exercício da violência. (Uma nota aos participantes na marcha: não foram estes policiais que viram frente aos vossos hotéis, não foram estes os agentes que os perseguiram ou molestaram nas ruas).
No Egipto, nenhuma manifestação é autorizada. Nenhum partido político de esquerda, liberal ou islamista é legal (excepto os que prestam apoio ao regime), as eleições são manipuladas, tendo os eminentes membros do “Clube de Juízes” (espécie de corporação autónoma) várias vezes condenado resultados enganosos de eleições. O Cairo magnífico, com os seus mil minaretes, os seus antigos bairros fatimidas, os seus edifícios renascentistas, é negligenciado e em degrada-se dia a dia. Os serviços públicos de educação, de saúde, de transporte e de alojamento são deliberadamente destruídos: nada mais resta do projecto de Nasser (com todos os defeitos que o acompanharam). As prisões estão cheias, não somente de militantes políticos confirmados, mas também de camponeses que protestaram contra a anulação da reforma agrária, de operários da grande Mahala que protestam contra os planos de privatização, de estudantes de pensamento livre, etc. etc. É um daqueles regimes desprovidos de toda a legitimidade, qualquer que seja, que se instalam sem inserção no terreno. A fórmula adequada à manutenção do poder é a ligação de dois extremos: a extrema pobreza e a extrema violência. E contar com o apoio internacional, por exemplo, o dos Estados Unidos. Este regime construiu um sistema global de gestão da sociedade que repousa sobre uma complexa e ultrasofisticada repressão. Para o tornar perene, e também para garantir que os seus segredos estão bem guardados, o actual presidente do Egipto gostaria de ver o seu filho suceder-lhe. Mas isso não é fácil e cria até alguma tensão. Então aumenta a crispação!
Caros participantes na Marcha pela Liberdade de Gaza
Durante a vossa estadia forçada no Cairo, sem que tivessem dado conta e sem querer, vocês agitaram as águas deste pântano. As autoridades egípcias estavam muito aborrecidas com a vossa presença, não sabendo como portar-se, acumulando promessas, “gaffes” e propostas retorcidas. Mas vocês levaram um sorriso de satisfação ao coração das pessoas comuns do Egipto, aquelas que cruzaram convosco nas ruas ou que ouviram falar de vocês nas rádios e televisões internacionais, pois houve reportagens e todos os egípcios ficaram a saber que alguma coisa se passou nesses dias no Cairo.
Vocês não puderam realizar o vosso objectivo mas tentaram com determinação. E isso toda a gente soube: em Gaza, como no resto da Palestina, e no mundo inteiro. O que foi feito representa o início do alargamento da acção internacional de solidariedade com Gaza. Era indispensável. A luta do povo palestiniano não é só entravada pela brutalidade e acção negativa de Israel mas também pela cumplicidade e cegueira de outros, como acabamos de verificar neste que foi um de múltiplos episódios.
Nahala ChaHal
(coordenadora da Campanha Civil Internacional
para a Protecção do Povo Palestiniano)
31 de Dezembro de 2009
Wednesday, 20 January 2010
Tuesday, 19 January 2010
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Espaço de recolha de informação sobre a Palestina.
Seis meses depois da última e impiedosa agressão Israelita a Gaza, continuamos o nosso blog com uma média de cinco post por dia. O sofrimento dos palestinianos é elevado tal como são elevadas as expectativas. Como tal, queremos agradecer aos nossos visitantes habituais pela vosso apoio contínuo e pelo interesse que demonstram pelo assunto em causa. A todos aqueles que desejem colaborar connosco na produção e no melhoramento deste espaço agradeçemos que nos contactem via email. Precisamos sobretudo de voluntários para traduzir textos do Inglês/Francês/Arabe ao Português. Qualquer sugestão será obviamente bem-vinda!
Muito obrigada! Palestina vencerá!
Contacto:
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Ahmad, 9 anos:"Venham todos ver como vivemos. Venham ver como perdemos tudo. Vivemos do nada, não temos camas nem cobertores, não temos água nem comida nem electricidade. Simplesmente não temos nada. É isto uma viver? É isto aceitável? Este é o cerco mais humilhante de sempre, o pior bloqueio da história."
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