A sociedade civil palestina condenou, quase que de forma unânime, a decisão da Autoridade Palestina de retardar a apresentação do relatório da missão da ONU, dirigida pelo juiz Richard Goldstone que investigou a guerra de agressão israelita recente de encontro aos palestinos da faixa de Gaza ocupada.
Uma demanda comum em quase todas as indicações palestinas era para que a ONU adotasse o relatório e atuasse rapidamente em suas recomendações de submeter o relatório à investigação do Conselho de Segurança da ONU, e na falta de investigação significativo pelo responsável, levasse o caso ao Tribunal Penal Internacional, a fim de pôr termo à impunidade penal de Israel e mantê-lo como responsável perante à lei internacional pelos seus crimes de guerra e crimes contra a humanidade em Gaza e, certamente, em todo os territórios palestinos ocupados.
Sucumbindo à pressão e à chantagem descarada de Israel, Mahmoud Abbas, líder da Autoridade Palestina Ramallah (AP), teria sido pessoalmente responsável pela decisão de adiar a apreciação do relatório de Goldstone pelo Conselho de Segurança. Isso acabou com as esperanças dos palestinos e de seus apoiadores de ver Israel finalmente enfrentando um longo processo de prestação de contas que resultaria num ato de justiça para as vítimas de Israel .
A decisão da AP – que adia a aprovação do relatório, pelo menos, até março de 2010 - dá a Israel uma oportunidade de ouro para enterrá-lo com apoio dos E.U., dos países europeus, árabes e, agora, com a cumplicidade da Autoridade Palestina. Isto constitui o caso mais flagrante da traição da AP aos direitos dos palestinos.
Histórias de traição
Esta não é a primeira vez que a ANP agiu sob ordens de Washington e as ameaças de Tel Aviv contra os interesses expressos do povo palestino. No histórico julho de 2004, a opinião consultiva da Corte Internacional de Justiça (CIJ) contra o muro de Israel e as colônias construídos em territórios palestinos ocupados ilegalmente, apresentou uma rara oportunidade diplomática, política e jurídica para isolar Israel como aconteceu com a África do Sul do apartheid que foi isolada após a decisão da CIJ em 1971 contra a ocupação da Namíbia. Infelizmente, a AP desperdiçou a oportunidade e sistematicamente - muito constrangida, é verdade - não apelou para que os governos do mundo cumprissem com suas obrigações previstas no parecer.
Outro exemplo foi o Acordo de Livre Comércio entre Mercosul-Israel que quase foi ratificado pelo Brasil no último mês de setembro, depois que o embaixador palestino expressou a aprovação, simplesmente solicitando ao Brasil que excluísse do acordo apenas os produtos israelitas dos assentamentos ilegais. Com a ação alerta das organizações palestinas e brasileiras da sociedade civil e, eventualmente, do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), esta ratificação foi evitada e o Comitê Parlamentar Brasileiro responsável recomendou que o governo não aprovasse o acordo até que Israel cumpra com a lei internacional.
Autoridade Palestina: a arma a mais poderosa de Israel
A AP foi gradualmente se transformando de forma irreversível desde seu estabelecimento há15 anos. Começou como uma subcontratante, frequentemente impotente, obsequiosa e dominada pela ocupação israelita, aliviando Israel de seus deveres civis mais incômodos, como o fornecimento de serviços e a coleta de impostos. O mais crucial é que a AP ajudou muito eficazmente Israel a proteger a segurança de seu exército de ocupação e os assentamentos coloniais. Agora, a AP foi além desses papéis, tornando-se uma colaboradora que se dispõe a ser a arma estratégica, a mais importante de Israel para barrar seu isolamento e perda crescente de legalidade, que atualmente é visto, em nível internacional, como um estado colonial e do Apartheid.
As centenas de armas nucleares de Israel e suas forças armadas, a quarta mais poderosas do mundo, provaram ser impotente ou pelo menos irrelevante ante ao movimento crescente de BDS, particularmente depois que atos de Israel de genocídio em Gaza. A sustentação diplomática, política, econômica e científica quase ilimitada que Israel recebe dos governos americano e governos europeus e sua incomparável impunidade igualmente não o protegeram do destino sombrio do Apartheid África da Sul.
O relatório de Goldstone -- que é surpreendente dado as conexões fortes do juiz com Israel e o sionismo – fornece os elementos que podem condenar Israel : evidência irrefutável, meticulosamente pesquisada e documentada pela comissão que acusa Israel de crimes de guerra e de crimes contra à humanidade. Apesar de seus evidentes desvios, este relatório abriu a possibilidade de Israel enfrentar um tribunal internacional, o que possibilitaria o fim da impunidade. Nesta situação extrema, somente uma arma estratégica no arsenal de Israel poderia afastar uma esmagadora derrota legal e política: a Autoridade Palestina. E Israel usou-a certamente no momento adequado, quase enterrando o relatório de Goldstone.
É crucial recordar que a AP não tem nenhum mandato legal ou democrático para falar em nome dos povos da Palestina ou para representar os palestinos na ONU ou em algumas de suas agências e instituições. O governo atual da AP nunca ganhou a aprovação constitucional necessária do Conselho Legislativo Palestino democraticamente eleito.
A Autoridade Palestina deve ser desmantelada
Apenas a OLP pode, teoricamente, representar todo o povo palestino, no interior da Palestina histórica e no exílio. Para que tal afirmação seja fundamentada e universalmente aceita, a OLP precisaria ser reavivada a partir da base para cima, em um processo transparente, democrático e inclusivo que envolva os palestinos de todos os lugares, englobando todos os partidos políticos que estão fora das estruturas da OLP hoje.
Em paralelo com esta retomada às suas origens: ao povo, aos seus sindicatos representativos e instituições, a Autoridade Palestina deve ser responsável e progressivamente desmantelada, particularmente de suas atuais competências, em lugares de representação na ONU e em outras instituições regionais e internacionais, voltando para onde eles pertencem: uma revivida e democratizada OLP. A dissolução da AP, no entanto, deve evitar a criação de um vácuo jurídico e político. Como a história mostra, os poderes hegemônicos são frequentemente os mais prováveis candidatos a preencherem esse vazio, em detrimento dos oprimidos.
Ilustração: tela do pintor palestino Muhammed Rakzuie
Tradução: Beth Monteiro
Resumo do texto de Omar Barghouti publicado Intifada Eletrônica, 5 outubro 2009 (http://www.bdsmovement.net/).
Resumo do texto de Omar Barghouti publicado Intifada Eletrônica, 5 outubro 2009 (http://www.bdsmovement.net/).