Tuesday 4 August 2009

Israel: 60 Anos em Negação

fonte: Global Research


Israel: 60 Anos em Negação


Por Ramzy Baroud

“Não peças aquilo que nunca tiveste”, esta é a mensagem implícita dos apoiantes de Israel quando afirmam que a Palestina nunca foi um Estado.

Esta afirmação é, claro, facilmente refutável. No seguimento da queda do Império Otomano no início do século XX, as potências coloniais dividiram o espólio. Quando a Grã-Bretanha e a França assinaram o acordo secreto Sykes-Picot em 1916, que dividia a Ásia Ocidental em esferas de influência, dificilmente existiam quaisquer “Estados-Nação” na região que corresponderiam a actual definição do termo.

Todas as fronteiras eram fabricações que serviam os interesses dos países poderosos que procuravam controlo estratégico, influência política e matérias-primas. A maior parte de África e da Ásia foi vítima de experiências coloniais que desfiguraram a sua constituição geopolítica e socio-económica.

Mas os palestinianos, como qualquer outro povo, viram-se como um grupo único ligado historicamente a uma entidade geográfica específica. “All That Remains” do professor Walid Khalidi é um volume que documenta a vibrante história pré-Israel da Palestina e do povo palestiniano. Este período é várias vezes desvalorizado se não inteiramente ignorado. Alguns preferem acreditar que nunca existiu nenhuma civilização na Palestina, nem antes ou entre a destruição do Segundo Templo pelos romanos em 70 A.C. e a fundação da Israel em 1948. Então e os factos irrefutáveis? Por exemplo, o jornal israelita Jerusalem Post chamava-se Palestine Post quando foi fundado 1932. Porquê Palestine e não Israel? Qual existência, definida como entidade política, precedeu a outra? A resposta é óbvia.

Não é a aceitação ou negação da existência de Israel que me preocupa. Israel existe, mesmo que se recuse a definir as suas fronteiras ou a reconhecer a injustiça histórica que cometeu contra o povo palestiniano. A brutal e sistemática limpeza étnica da maioria de cristãos e muçulmanos palestinianos entre 1947 e 1948 foi o que originou a maioria judaica na Palestina e, subsequentemente, o Estado Judeu de Israel.

Igualmente importante são as tentativas sistemáticas de desumanizar os palestinianos e negar-lhes qualquer direito. Quando Ehud Barack, primeiro-ministro de Israel na altura, numa entrevista ao Jerusalem Post (Agosto de 2000), comparou os palestinianos a “crocodilos, quanto mais carne se lhes dá, mais eles querem,” eles estava a continuar uma tradição sionista que equipara os palestinianos a animais e a parasitas. Outro primeiro-ministro, Menahim Begin, referiu-se, num discurso ao Knesset, aos palestinianos como “animais que andam sobre duas pernas”. Também já foram descritos como “gafanhotos”, “baratas” e mais por parte de estadistas israelitas.

Incrivelmente, estas referências podem ser vistas como uma melhoria relativamente àquilo que a primeira-ministra Golda Meir declarou: “não há nada disso de palestinianos…eles não existem.” (15 de Junho de 1969).

Para justificar a existência, Israel tem vindo a submeter os seus próprios cidadãos a uma amnésia colectiva. Será que os israelitas se apercebem que vivem sobre as ruínas de centenas de vilas e aldeias palestinianas, cada uma destruída durante uma trágica história de sangue, dor e lágrimas, resultante numa limpeza étnica de quase 800 000 palestinianos?

À medida que Israel celebra o sexagésimo aniversário, nada que manche o heroísmo dos pais fundadores ou daqueles que lutaram em seu nome é permitido. Palestina, os palestinianos e uma relação infinitamente duradoura entre um povo e a sua terra, dificilmente seriam motivo de pausa nas festividades continuadas pelos representantes israelitas e as suas contrapartes ocidentais.

Enquanto algumas partes esquecem vários capítulos históricos pertinentes para o sofrimento palestiniano, os líderes israelitas – especialmente aqueles que tiveram parte na colonização da Palestina – estavam inteiramente conscientes do que fizeram. David Bem Gurion, o primeiro primeiro-ministro de Israel, avisou em 1948: “temos de fazer tudo para a assegurar que (os palestinianos) nunca regressem.” Ao assegurar que os palestinianos eram cortados da sua terra, Ben Gurion esperou que o tempo se encarregasse do resto. “Os velhos vão morrer e os jovens vão esquecer”, disse ele.

Moshe Dayan, um antigo ministro da defesa israelita, também não tinha ilusões no que respeita à verdadeira história por detrás das conquistas de Israel. O seu discurso na Technion em Haifa (4 de Abril de 1969) foi citado pelo diário israelita Haaretz desta forma: “Viemos para um país habitado por árabes e estamos a construir aqui um Estado hebreu, um Estado judeu; em vez de aldeias árabes, foram estabelecidas aldeias judaicas. Vós nem sabeis os nomes dessas aldeias e eu não vos culpo porque essas aldeias já não existem. Não há um único colonato judeu que não tenha sido construído sobre uma antiga aldeia árabe.”

Desde a sua fundação, Israel tem trabalhado para minar qualquer sentido de identidade palestiniana. Sem a sua terra histórica, a relação entre palestinianos e a Palestina só poderia existir na memória. Contudo, eventualmente a memória conseguiu transformar-se numa identidade colectiva que tem provado ser mais duradoura do que a existência física da terra. “É o testemunho da tenacidade dos palestinianos o facto de manterem vivo o sentido de nacionalidade face a tanta adversidade. Os obstáculos à sua coesão como povo são hoje maiores do que nunca,” noticiou The Economist (8 de Maio de 2008).

Viver em tantas áreas separadas entre si, expulsos das suas terras, desligados uns dos outros, lutar em casa esquina, os palestinianos não são oprimidos apenas fisicamente por Israel, mas também psicologicamente. Existem tentativas de todos os ângulos para os forçar a ceder, a esquecer e a ultrapassar. É a rejeição por parte do povo palestiniano destes conceitos que tornam a vitória de Isreal e a sua “independência” superficial e não convincente.

Sessenta anos depois da Catástrofe (Nakba), os palestinianos continuam a lembrar-se das injustiças passadas e presentes. Claro que é necessário mais do que memória; os palestinianos precisam de encontrar terreno comum para a unidade - cristãos e muçulmanos, pobres e ricas, seculares e religiosos – de forma a impedirem Israel de explorar avidamente a sua desunião, as sua facções e o tribalismo político.

Mas, apesar das esperanças e dos esforços de Israel, os palestinianos não esqueceram quem são. E não há negação possível que possa mudar isto.

Ramzy Baroud (www.ramzybaroud.net) é autor e editor do PalestinoChronicle.com. O seu trabalho foi publicado em vários jornais pelo mundo fora. O seu último livro é The Second Palestinian Intifada: A Chronicle of a People's Struggle (Pluto Press, London).

Traducao: Ana Sofia Gomes
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