Prefeito de Jerusalém demolirá 200 casas de Palestinos
Por: Jonathan Cook, The Electronic Intifada, 9 de fevereiro 2010
tradução:EB equipaTPG
Na semana passada o prefeito de Jerusalém ameaçou demolir 200 casas em bairros na cidade cidade, em um ato em que ele mesmo admite, que provavelmente fará com que antigas tensões sobre o sistema de moradias em Jerusalém Oriental, voltem a explodir.
Sua postura inflexivel, é o último estágio em uma longa batalha legal sobre um único edifício que se eleva acima do emaranhado das casas modestas de Silwan, uma comunidade deprivada e super povoada, situada sob as sombras da abóbada prateada da mesquita al-Aqsa, do lado de fora das Muralhas da Cidade Velha
O edificio Beit Yehonatan, ou a casa de Jônatas, distingue-se não somente por sua altura - que com seus sete andares, é pelo menos três andares mais alto do que seus vizinhos -, mas também pela a bandeira de Israel hasteada no telhado de frente para a rua.
Criado como posto de vigia, nomeado Jonathan Pollard,em homenagem ao judeu-americano, condenado a prisão perpétua nos EUA, por espionagem a favor de Israel na década de 1980, Beit Yehonatan tem sido o lar de oito famílias judias desde 2004, quando foi construído sem licença por uma organização de colonos extremistas conhecidos como Ateret Cohanim.
Beit Yehonatan é uma entre as dezenas de casas ocupadas por colonos, perspontando nas áreas palestinas em Jerusalém Oriental, a maioria delas tomadas dos Palestinos.
Críticos dizem que, a intenção desses "postos" , juntamente com os grandes assentamentos ao leste de Jerusalém, construído pelo Estado e que abriga cerca de 200.000 judeus, é de desencorajar qualquer acordo de paz tendo em vista oferecer aos Palestinos Jerusalém como sua capital.
Com excepção dos colonos, que são usados para camuflar intervenções abertas e encobertas de funcionários do governo, os habitantes de Beit Yehonatan estão correndo sério risco de serem expulsos de suas casas dois anos após uma uma ordem de execução "urgente", ter sido emitida pelo Supremo Tribunal de Justiça israelense.
Na semana passada, Nir Barkat, prefeito de Jerusalém, finalmente concordou "sob protesto" em selar Beit Yehonatan em meio a crescente pressão de um grupo de funcionários judiciais. Barkat vinha lutando arduamente contra a execução da ordem judicial, auxiliado por altos membros do Parlamento, pela polícia e, mesmo Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense, que se opôs ao conselho de seu próprio procurador geral , declarando que o futuro de Beit Yehonatan é "uma questão puramente municipal. "
Contudo o prefeito não se "rendeu" simplesmente. Ele avisou que Beit Yehonatan somente seria evacuado, sob a condição de que as mais de 200 ordens de demolição de casas palestinas, a maioria deles em Silwan, fossem cumpridas ao mesmo tempo.
Ele argumentou que tinha que evitar qualquer impressão de que a lei estivesse sendo aplicada de uma "forma discriminatória" contra os judeus.
Jeff Halper, chefe do Comitê Israelense contra Demolições de Casas, disse que idéia de justiça de Barkat era "ridícula".
"Nos últimos 15 anos houve mais de mil casas palestinas demolidas em Jerusalém Oriental versus absolutamente nenhuma casa de colonos", disse ele. "Na verdade, nenhum colono jamais perdeu sua casa em Jerusalém Oriental".
Ao fazer seu anúncio, Barkat admitiu que as 200 demolições desencadeariam "uma forte possibilidade para conflito". Palestinos em Jerusalém Oriental já estão revoltados por
décadas de planejadas restrições que os forçam a construir ou ampliar residências ilegalmente, porque é quase impossível obter permissão das autoridades israelenses.
Halper disse que o município classificou 22.000 casas palestinas em Jerusalém Oriental como ilegais, embora tenha admitido que existe uma escassez de 25.000 casas para os 250.000 palestinos vivendo na cidade.
As residências que são alvo de demolição são casas palestinas em torno de Beit Yehonatan que violam as restrições de planejamento, as quais somente permitem que as casas sejam
de apenas dois andares; apesar das restrições, muitas casas têm quatro andares e os seus proprietários pagam multas.
Além disso, a Câmara quer demolir 88 casas em uma pequena área chamada Bustan que o município alega estar sob perigo de alagamento.
Zeinab Jaber vive ao lado de Beit Yehonatan , na casa onde ela nasceu 61 anos atras. O edifício foi declarado ilegal há 20 anos atrás, depois que foi teve acrescentado quatro andares para acomodar sua família em crescimento. Hoje ela e seus seis filhos adultos pagam uma multa mensal de mais de 1.000 dólares na esperança de evitar a destruição.
Seu filho Amjad, 32 anos, casado, com dois filhos, disse que ele nunca se atreveu a faltar com um pagamento. "É simples: se você não pagar, você vai preso."
"O que há para os colonos aqui?" Jaber pergunta. "Eles só estão aqui porque querem nos tomar este lugar . Eles não se sentirão felizes até que saiamos."
Do lado oposto do vale de Beit Yehonatan, Mohammed Jalajil, 48, disse que não tinha dúvidas de que o município irá demolir as 200 casas. Ele, sua esposa e cinco filhos, foram amontoados em uma sala no apartamento de um parente, desde que sua própria casa foi demolida há sete anos.
Jalajil, 48, disse: "Alguns meses depois que tomaram a nossa casa, eu vi os colonos construindo nas proximidades. Meu advogado me disse que, apesar de minha casa não mais existir, eu terei que continuar pagando minha multa por mais 10 anos. "
Se Barkat cumprir com suas ameaça, as demolições provocarão uma repreensão por parte da comunidade internacional. No mês passado, a França e os Estados Unidos aderiram à ONU denunciando que ocorreram mais de 100 demolições em Jerusalém Oriental, ao longo dos últimos três meses.
Meir Margalit, um vereador da cidade de Jerusalém advertiu que, a decisão do prefeito compara-se à política da "etiqueta de preço" dos colonos na Cisjordânia, que atacaram vilarejos palestinos em represália contra as tentativas oficiais de desmanchar alguns dos assentamentos
que pontilham o território palestino.
"Mas a diferença aqui é que, o preço não está sendo cobrado pelos próprios colonos, mas por parte do município e do governo em nome deles", disse ele.
Ontem, o município deveria ter emitido um aviso prévio de sete dias para evacuação aos moradores de Beit Yehonatan, mas a operação foi cancelada no último minuto, quando a polícia se recusou a cooperar.
Atritos vêm crescendo em Silwan há vários anos devido às atividades de uma outra organização de colonos, Elad, a qual que, com o apoio oficial, está construindo um parque arqueológico conhecido como a Cidade de Davi, bem no centro do bairro palestino. Tão logo os palestinos foram expulsos, pelo menos 80 famílias judias se mudaram para casas próximas.
Na medida que o Elad se imiscui dentro de Silwan, Beit Yehonatan se torna um lugar mais dificil de se manter. "Normalmente, os colonos apresentam uma fachada de legalidade ao que eles fazem", disse Halper. "O problema aqui é que, eles constroem de uma forma claramente ilegal, sem autorização e acima das restrições de altura para edifícios."
A resistência de Barkat em expulsar os habitantes de Beit Yehonatan foi destacada no mês passado quando ele tentou desviar a pressão legal, propondo uma nova política de planejamento para legalizar edifícios sem licença em Silwan. O prefeito propôs que as regras que limitam casas a dois andares sejam mudadas para quatro andares.
A reforma se aplicaria primeiro em Beit Yehonatan, selando os três andares de cima, mas permitindo que as famílias judias continuassem vivendo no resto do edifício.
Apesar de Barkat ter prometido que os edifícios ilegais palestinos também seriam salvos, Ir Amim, um grupo israelense de direitos humanos, desmentiu a afirmação do prefeito.
A esmagadora maioria das casas dos palestinos falhariam em se qualificar, pela falta de documentos cadastrais para a area e uma série de requisitos em matéria de estacionamento, vias de acesso e ligações de esgotos que são "impossíveis" de cumprir, escreveu a porta-voz Orly Noy, no jornal Haaretz no mês passado.
Ela acrescentou que nos bairros palestinos de Jerusalém Oriental faltam 70 km de tubos de esgoto e que nem uma única estrada foi pavimentada em seus bairros desde a ocupação de Israel em 1967.
Um mapa de planejamento de Jerusalém Oriental, elaborado recentemente pelo município de Jerusalém, veio à tona no mês passado, de como Barkat estava prometendo legalizar construções, mostrando que mais de 300 casas - a maioria deles em Silwan - estavam enfrentando demolição iminente.
Jonathan Cook é um escritor e jornalista na cidade de Nazaré, Israel. Seus últimos livros são Israel e o Choque de Civilizações: Iraque, Irã e do Plano de refazer o Médio Oriente (Pluto Press) e Desaparecimento da Palestina: As experiencias de Israel em desespero humano(Zed Books). Seu site é www.jkcook.net.
Uma versão deste artigo foi publicado originalmente em O Nacional, publicado em Abu Dhabi.
Wednesday, 10 February 2010
Friday, 5 February 2010
Mesa Redonda: 11 de Fevereiro 2010
Mesa Redonda
"O direito internacional
e a ocupação israelita dos territórios palestinianos:
Evidências e desafios"
Intervenientes no painel:
Paula Escarameia
Professora de Direito Internacional no ISCSP-Universidade Técnica de Lisboa
e Membro da Comissao de Direito Internacional de ONU
José Manuel Pureza
Professor de Direito Internacional e Relações Internacionais na Universidade de Coimbra
António Cluny
Vice-Presidente da MEDEL (Associação Europeia de Magistrados pela Democracia e as Liberdades)
Alan Stoleroff
Professor de Sociologia no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
Maria Eduarda Gonçalves
Professora de Direito no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
Data e hora: 11 de Fevereiro de 2010 às 18h30
Locale: Auditório Afonso de Barros, ISCTE-IUL
Av. das Forças Armadas, Lisboa
Patrocínio:
Secção Autónoma de Direito - ISCTE-IUL
Comité Nacional de Apoio - Tribunal Russell para a Palestina
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mesa redonda
Wednesday, 3 February 2010
Memória do Holocausto é pretexto para propaganda israelita
Fonte: Ha’aretz
28 de janeiro de 2010-02-02
Memória do Holocausto é pretexto para propaganda israelita
Por Gideon Levy
traduzido por Carolina Cruz (Todos Por Gaza)
As grandes personalidades de Israel atacaram de madrugada numa larga frente. O Presidente, na Alemanha; o Primeiro-Ministro, com uma enorme comitiva, na Polónia; o Ministro dos Negócios Estrangeiros, na Hungria; o seu secretário, na Eslováquia; o Ministro da Cultura, em França; o Ministro da Informação, nas Nações Unidas; e até o membro do partido Druze Knesset da Likud, Ayoob Kara, em Itália.Todos se deslocaram para fazer discursos rebuscados sobre o Holocausto.
Quarta-feira (27 de Janeiro) foi o Dia Internacional de Memória do Holocausto e desde há muito não se via semelhante campanha de relações públicas por parte de Israel. A altura escolhida para este esforço pouco habitual não é casual. Quando o mundo fala sobre Goldstone, nós falamos sobre o Holocausto, como se pretendessemos atenuar o impacto (do relatório). Quando o mundo fala sobre ocupação, nós falamos sobre o Irão, como se quiséssemos esquecer a questão.
Certamente, isso não vai ajudar. O Dia Internacional de Memória do Holocausto passou, os discursos serão em breve esquecidos e a deprimente realidade diária continuará. A imagem de Israel não sairá ilesa, mesmo depois desta campanha de relações públicas.
Na véspera da sua partida, o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu falou no Yad Vashem. “O mal existe no mundo”, disse. “O mal deve ser cortado pela raiz”. “Estão a tentar negar a verdade”. Palavras arrogantes, proferidas pela mesma pessoa que, apenas um dia antes, proferiu palavras muito diferentes, palavras de verdadeiro mal, um mal que deve ser erradicado, um mal que Israel tenta esconder.
Netanyahu falou de uma nova “política de imigração” que é maléfica em todos os seus aspectos. Num acto de má fé, juntou no mesmo saco trabalhadores imigrantes e refugiados indefesos, advertindo que poem em risco Israel, que baixam os nossos salários, que ameaçam a nossa segurança, que fazem de nós um país de terceiro mundo e que trazem drogas. E defendeu fervorosamente o nosso racista Ministro do Interior, Eli Yishai, que se refere aos imigrantes como disseminadores de doenças como hepatite, tubercolose, SIDA e sabe-se lá mais o quê.
Nenhum discurso sobre o Holocausto irá apagar estas palavras de incitamento e difamação contra os imigrantes. Nenhuma memória irá desfazer a xenofobia que assolou Israel, não apenas através da extrema direita, como na Europa, mas através do próprio Governo.
Temos um Primeiro-Ministro que fala sobre o mal, mas está a construir um muro para impedir refugiados de guerra de baterem à nossa porta. Um Primeiro-Ministro que fala sobre o mal, mas participa no crime do cerco a Gaza que, há quatro anos, deixa um milhão e meio de pessoas em condições miseráveis. Um Primeiro-Ministro em cujo país os colonos massacram e perseguem palestinianos inocentes sob o slogan ‘price tag’, de terríveis conotações históricas, mas contra os quais o Estado nada faz.
Este é o Primeiro-Ministro de um Estado que prende centenas de manifestantes de extrema esquerda que saem à rua contra as injustiças da ocupação e contra a guerra em Gaza, enquanto concede amnistias em massa a indivíduos de extrema direita que se manifestaram contra o desengajamento. No discurso de ontem, a comparação que Netanyahu fez da Alemanha nazi com o Irão fundamentalista não é mais do que propaganda barata. Por falar em “desrespeitar o Holocausto”, o Irão não é a Alemanha, Ahmedinejad não é Hitler e a comparação é tão enganadora quanto seria comparar soldados israelitas com nazis.
O Holocausto não deve ser esquecido e não é preciso compará-lo com nada. Israel tem de colaborar nos esforços para manter a memória viva, mas deve fazê-lo de mãos limpas, livres do seu próprio mal. Assim como não deve alimentar suspeitas de que está a usar cinicamente a memória do Holocausto para apagar e distorcer outras coisas. Lamentavelmente, não é o caso.
Que bonito teria sido se neste dia Israel se tivesse auto-avaliado, olhado para dentro e perguntado, por exemplo, por que razão é que o anti-semitismo recrudesceu precisamente no ano passado, a seguir ao momento em que lançamos bombas de fósforo branco sobre Gaza. Que bonito teria sido se neste Dia Internacional de Memória Netanyahu tivesse anunciado uma nova política de integração de imigrantes em vez da sua explusão, ou (se tivesse aunciado) o fim do cerco a Gaza.
Mil dicursos contra o anti-semitismo não irão apagar as chamas ateadas pela Operação ‘Cast Lead’ (Chumbo Fundido) que ameaçam não apenas Israel mas todo o mundo judeu. Enquanto Gaza estiver cercada e Israel endurecer a institucionalização da xenofobia, os discursos sobre o Holocausto não passarão de discursos vazios. Enquanto o mal andar aqui à solta, nem o mundo nem nós próprios seremos capazes de aceitar as nossas orações pelos outros, mesmo que as mereçam.
28 de janeiro de 2010-02-02
Memória do Holocausto é pretexto para propaganda israelita
Por Gideon Levy
traduzido por Carolina Cruz (Todos Por Gaza)
As grandes personalidades de Israel atacaram de madrugada numa larga frente. O Presidente, na Alemanha; o Primeiro-Ministro, com uma enorme comitiva, na Polónia; o Ministro dos Negócios Estrangeiros, na Hungria; o seu secretário, na Eslováquia; o Ministro da Cultura, em França; o Ministro da Informação, nas Nações Unidas; e até o membro do partido Druze Knesset da Likud, Ayoob Kara, em Itália.Todos se deslocaram para fazer discursos rebuscados sobre o Holocausto.
Quarta-feira (27 de Janeiro) foi o Dia Internacional de Memória do Holocausto e desde há muito não se via semelhante campanha de relações públicas por parte de Israel. A altura escolhida para este esforço pouco habitual não é casual. Quando o mundo fala sobre Goldstone, nós falamos sobre o Holocausto, como se pretendessemos atenuar o impacto (do relatório). Quando o mundo fala sobre ocupação, nós falamos sobre o Irão, como se quiséssemos esquecer a questão.
Certamente, isso não vai ajudar. O Dia Internacional de Memória do Holocausto passou, os discursos serão em breve esquecidos e a deprimente realidade diária continuará. A imagem de Israel não sairá ilesa, mesmo depois desta campanha de relações públicas.
Na véspera da sua partida, o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu falou no Yad Vashem. “O mal existe no mundo”, disse. “O mal deve ser cortado pela raiz”. “Estão a tentar negar a verdade”. Palavras arrogantes, proferidas pela mesma pessoa que, apenas um dia antes, proferiu palavras muito diferentes, palavras de verdadeiro mal, um mal que deve ser erradicado, um mal que Israel tenta esconder.
Netanyahu falou de uma nova “política de imigração” que é maléfica em todos os seus aspectos. Num acto de má fé, juntou no mesmo saco trabalhadores imigrantes e refugiados indefesos, advertindo que poem em risco Israel, que baixam os nossos salários, que ameaçam a nossa segurança, que fazem de nós um país de terceiro mundo e que trazem drogas. E defendeu fervorosamente o nosso racista Ministro do Interior, Eli Yishai, que se refere aos imigrantes como disseminadores de doenças como hepatite, tubercolose, SIDA e sabe-se lá mais o quê.
Nenhum discurso sobre o Holocausto irá apagar estas palavras de incitamento e difamação contra os imigrantes. Nenhuma memória irá desfazer a xenofobia que assolou Israel, não apenas através da extrema direita, como na Europa, mas através do próprio Governo.
Temos um Primeiro-Ministro que fala sobre o mal, mas está a construir um muro para impedir refugiados de guerra de baterem à nossa porta. Um Primeiro-Ministro que fala sobre o mal, mas participa no crime do cerco a Gaza que, há quatro anos, deixa um milhão e meio de pessoas em condições miseráveis. Um Primeiro-Ministro em cujo país os colonos massacram e perseguem palestinianos inocentes sob o slogan ‘price tag’, de terríveis conotações históricas, mas contra os quais o Estado nada faz.
Este é o Primeiro-Ministro de um Estado que prende centenas de manifestantes de extrema esquerda que saem à rua contra as injustiças da ocupação e contra a guerra em Gaza, enquanto concede amnistias em massa a indivíduos de extrema direita que se manifestaram contra o desengajamento. No discurso de ontem, a comparação que Netanyahu fez da Alemanha nazi com o Irão fundamentalista não é mais do que propaganda barata. Por falar em “desrespeitar o Holocausto”, o Irão não é a Alemanha, Ahmedinejad não é Hitler e a comparação é tão enganadora quanto seria comparar soldados israelitas com nazis.
O Holocausto não deve ser esquecido e não é preciso compará-lo com nada. Israel tem de colaborar nos esforços para manter a memória viva, mas deve fazê-lo de mãos limpas, livres do seu próprio mal. Assim como não deve alimentar suspeitas de que está a usar cinicamente a memória do Holocausto para apagar e distorcer outras coisas. Lamentavelmente, não é o caso.
Que bonito teria sido se neste dia Israel se tivesse auto-avaliado, olhado para dentro e perguntado, por exemplo, por que razão é que o anti-semitismo recrudesceu precisamente no ano passado, a seguir ao momento em que lançamos bombas de fósforo branco sobre Gaza. Que bonito teria sido se neste Dia Internacional de Memória Netanyahu tivesse anunciado uma nova política de integração de imigrantes em vez da sua explusão, ou (se tivesse aunciado) o fim do cerco a Gaza.
Mil dicursos contra o anti-semitismo não irão apagar as chamas ateadas pela Operação ‘Cast Lead’ (Chumbo Fundido) que ameaçam não apenas Israel mas todo o mundo judeu. Enquanto Gaza estiver cercada e Israel endurecer a institucionalização da xenofobia, os discursos sobre o Holocausto não passarão de discursos vazios. Enquanto o mal andar aqui à solta, nem o mundo nem nós próprios seremos capazes de aceitar as nossas orações pelos outros, mesmo que as mereçam.
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Thursday, 28 January 2010
Pensamentos de um Judeu no Dia de Lembrança do Holocausto
Carta aberta de Alan Stoleroff
Pensamentos de um Judeu no Dia de Lembrança do Holocausto
Neste dia de Lembrança do Holocausto de 2010, que evoca o extermínio deliberado de seis milhões de judeus pelo regime nazi da Alemanha, terei muito que ponderar. Mas enquanto judeu consciente, não me é preciso um dia oficial de Lembrança do Holocausto para reflectir sobre o seu significado. O Holocausto está cravado na minha consciência desde criança e tem sido forçosamente objecto de reflexão ao longo da minha vida.
Antes de mais, o Holocausto pertence à Humanidade e não apenas a nós judeus. Não deveremos cobiçar a sua memória. Sobretudo enquanto judeu, parece-me necessário evocar a memória de todos os seres inocentes, muitos mais milhões ainda, que foram escravizados, dizimados e exterminados - judeus, ciganos, polacos, eslavos, homossexuais, pessoas com deficiências e outras - em nome do mito da raça suprema. É preciso reflectir sobre o racismo e a intolerância em geral, que se prolongaram ao longo do século XX e deste século, que motivaram os crimes enormes que, hoje em dia, rotulamos como “genocídios”. Parece impensável, mas à nossa volta continua a oprimir-se e a destruir-se povos por pertencerem a grupos étnicos diferentes em lutas competitivas por territórios, recursos e poder político.
Contudo, neste dia de Lembrança do Holocausto de 2010 os meus pensamentos são focados em vários temas específicos. Em primeiro lugar, no conflito entre os judeus de Israel e os árabes da Palestina. Para muitos judeus, a sobrevivência do Holocausto traduziu-se na procura de refúgio exclusivo num Estado-fortaleza de Israel na esperança de que o que aconteceu não voltasse a acontecer. Entendo essa procura mas não aceito a falsa segurança que se tenha obtido à custa do povo palestiniano. Apesar da crença bíblica na nossa eleição pelo Todo-Poderoso como o seu povo ou de estratégia sionista da separação, face às normas da civilização moderna que emergiu dos escombros da Segunda Guerra Mundial a nossa procura de salvação e de auto-determinação não nos conferiu o direito de desapropriar um outro povo que habitava esse território durante a nossa longa Diáspora, facto que de algum modo foi reconhecido pelas Nações Unidas ao dividir a Palestina, por bem ou por mal, em dois estados para dois povos. Na guerra que sucedeu a essa decisão da comunidade internacional, Israel ganhou a sua independência e mais terra ainda e os palestinianos sofreram um desastre nacional, ficando com apenas 22% da sua Palestina. E desde a guerra de 1967, em que Israel conquistou os territórios que tinham permanecido dos palestinianos, esse povo, o nosso Outro, tem vindo a sofrer uma ocupação cruel – através da qual Israel continua a apropriar-se ilegalmente de mais território e mais recursos palestinianos. Desde 1948 que o povo da Palestina tem sido progressivamente desapossado da sua terra secular e tem sofrido o desmembramento da sua nação. Alguns chamam a essa experiência genocídio. Os palestinianos referem-se não a uma Shoah mas a uma Naqba. Quer concorde ou não com o rótulo, enquanto judeus temos que ponderar o seu significado e a diferença aparente entre duas palavras que implicam, ambas, a destruição de um povo.
Outro dos meus pensamentos dirige-se mais particularmente ao povo palestiniano de Gaza, cercado e preso no que me parece cada vez mais um campo de concentração. Acabámos de assinalar a passagem de um ano sobre o fim do massacre da operação Chumbo Fundido que resultou em 1.400 mortos, 313 dos quais crianças e numa destruição massiva.
Mesmo que se reconheça ao Estado de Israel o direito de se defender, como refere o Relatório Goldstone, o direito internacional nunca poderia justificar nem a desproporcionalidade da Operação Chumbo Fundido nem a manutenção deste cerco desumano. O direito internacional exige que se procure esgotar todas as possibilidades de resolução pacífica da situação antes do recurso à violência – o que Israel não fez, mantendo o cerco. Mas não se tratou de um caso de defesa legítima. Israel procurava um pretexto para restabelecer a sua força dissuasora na região e deliberadamente rompeu as tréguas em vigor na altura. A reacção previsível do Hamas ao ataque israelita do dia 4 de Novembro de 2008 forneceu ao Israel um pretexto para a sua guerra.
Deveremos ver nas bombinhas de Gaza não um pretexto para um castigo colectivo mas um sinal da aflição e mesmo da resistência de um povo, por mais mal dirigido que possa ser.
Actualmente, em vez de investigar as alegações contra as suas forças armadas, como pedido pelo Relatório Goldstone, Israel está a investir muito esforço na propaganda para contrariar esse Relatório preparado para as Nações Unidas pelo judeu sionista Richard Goldstone. Israel tem estado assim na vanguarda das tentativas para mudar as leis que regulam a guerra. Mobilizando argumentos sobre as “assimetrias” na guerra contra o terrorismo, Israel está a enfraquecer o direito internacional, que tanto deve às lições do Holocausto, para facilitar a sua guerra contra o povo palestiniano. A única assimetria pertinente em causa é a do poder militar de Israel em relação a uma população sem meios eficazes para a sua defesa.
É intolerável que nada de efectivo tem sido feito para acabar com o cerco a Gaza ou aliviá-lo. Israel nem sequer deixa entrar cimento no território. Em contradição com os valores humanistas que se tornaram oficiais depois do Holocausto, o mundo ocidental só permite que esta situação (que a Amnistia Internacional apelidou de “castigo colectivo”) se tenha produzido e mantido devido à demonização racista dos árabes e dos muçulmanos em geral e dos palestinianos em particular. Apontando o dedo aos fundamentalistas islâmicos do Hamas, a propaganda israelita tem diabolizado o povo palestiniano de Gaza devido à sua resistência a Israel.
Ironicamente, a ocupação e o anti-semitismo reforçam-se mutuamente.
Para muitos judeus, cuja consciência social nasceu da nossa história de opressão e do Holocausto, a política de Israel constitui uma mácula indelével na nossa tradição supostamente humanista. Mas a propaganda israelita frequentemente intitula judeus que pensam como eu “self-hating Jews”, ou seja, judeus que se negam a si próprios. Esta táctica apagou a crítica da ocupação durante muito tempo, mas está a perder eficácia depois do massacre de Gaza. Actualmente, o alvo dessa propaganda é o próprio juiz Goldstone, tratando-o de “anti-semita” numa campanha cujo objectivo é descredibilizar o relatório da sua comissão sobre os crimes de guerra em Gaza.
Porém, há cada vez mais judeus que, como eu, consideram a política dos governos de Israel inconsistente com a sua identidade de judeu num mundo que conheceu o Holocausto. Propomos a alternativa de uma paz justa com base no direito internacional e o fim do cerco ilegal de Gaza e o fim da ocupação dos territórios palestinianos.
Eis o que muito me dá que pensar neste Dia de Lembrança do Holocausto, mas nisso pensarei enquanto judeu consciente e, neste fim-de-semana, juntar-me-ei nestes pensamentos a judeus de diferentes países europeus num congresso em Paris dos Judeus Europeus para uma Paz Justa.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2010,
Alan Stoleroff
Professor universitário
Pensamentos de um Judeu no Dia de Lembrança do Holocausto
Neste dia de Lembrança do Holocausto de 2010, que evoca o extermínio deliberado de seis milhões de judeus pelo regime nazi da Alemanha, terei muito que ponderar. Mas enquanto judeu consciente, não me é preciso um dia oficial de Lembrança do Holocausto para reflectir sobre o seu significado. O Holocausto está cravado na minha consciência desde criança e tem sido forçosamente objecto de reflexão ao longo da minha vida.
Antes de mais, o Holocausto pertence à Humanidade e não apenas a nós judeus. Não deveremos cobiçar a sua memória. Sobretudo enquanto judeu, parece-me necessário evocar a memória de todos os seres inocentes, muitos mais milhões ainda, que foram escravizados, dizimados e exterminados - judeus, ciganos, polacos, eslavos, homossexuais, pessoas com deficiências e outras - em nome do mito da raça suprema. É preciso reflectir sobre o racismo e a intolerância em geral, que se prolongaram ao longo do século XX e deste século, que motivaram os crimes enormes que, hoje em dia, rotulamos como “genocídios”. Parece impensável, mas à nossa volta continua a oprimir-se e a destruir-se povos por pertencerem a grupos étnicos diferentes em lutas competitivas por territórios, recursos e poder político.
Contudo, neste dia de Lembrança do Holocausto de 2010 os meus pensamentos são focados em vários temas específicos. Em primeiro lugar, no conflito entre os judeus de Israel e os árabes da Palestina. Para muitos judeus, a sobrevivência do Holocausto traduziu-se na procura de refúgio exclusivo num Estado-fortaleza de Israel na esperança de que o que aconteceu não voltasse a acontecer. Entendo essa procura mas não aceito a falsa segurança que se tenha obtido à custa do povo palestiniano. Apesar da crença bíblica na nossa eleição pelo Todo-Poderoso como o seu povo ou de estratégia sionista da separação, face às normas da civilização moderna que emergiu dos escombros da Segunda Guerra Mundial a nossa procura de salvação e de auto-determinação não nos conferiu o direito de desapropriar um outro povo que habitava esse território durante a nossa longa Diáspora, facto que de algum modo foi reconhecido pelas Nações Unidas ao dividir a Palestina, por bem ou por mal, em dois estados para dois povos. Na guerra que sucedeu a essa decisão da comunidade internacional, Israel ganhou a sua independência e mais terra ainda e os palestinianos sofreram um desastre nacional, ficando com apenas 22% da sua Palestina. E desde a guerra de 1967, em que Israel conquistou os territórios que tinham permanecido dos palestinianos, esse povo, o nosso Outro, tem vindo a sofrer uma ocupação cruel – através da qual Israel continua a apropriar-se ilegalmente de mais território e mais recursos palestinianos. Desde 1948 que o povo da Palestina tem sido progressivamente desapossado da sua terra secular e tem sofrido o desmembramento da sua nação. Alguns chamam a essa experiência genocídio. Os palestinianos referem-se não a uma Shoah mas a uma Naqba. Quer concorde ou não com o rótulo, enquanto judeus temos que ponderar o seu significado e a diferença aparente entre duas palavras que implicam, ambas, a destruição de um povo.
Outro dos meus pensamentos dirige-se mais particularmente ao povo palestiniano de Gaza, cercado e preso no que me parece cada vez mais um campo de concentração. Acabámos de assinalar a passagem de um ano sobre o fim do massacre da operação Chumbo Fundido que resultou em 1.400 mortos, 313 dos quais crianças e numa destruição massiva.
Mesmo que se reconheça ao Estado de Israel o direito de se defender, como refere o Relatório Goldstone, o direito internacional nunca poderia justificar nem a desproporcionalidade da Operação Chumbo Fundido nem a manutenção deste cerco desumano. O direito internacional exige que se procure esgotar todas as possibilidades de resolução pacífica da situação antes do recurso à violência – o que Israel não fez, mantendo o cerco. Mas não se tratou de um caso de defesa legítima. Israel procurava um pretexto para restabelecer a sua força dissuasora na região e deliberadamente rompeu as tréguas em vigor na altura. A reacção previsível do Hamas ao ataque israelita do dia 4 de Novembro de 2008 forneceu ao Israel um pretexto para a sua guerra.
Deveremos ver nas bombinhas de Gaza não um pretexto para um castigo colectivo mas um sinal da aflição e mesmo da resistência de um povo, por mais mal dirigido que possa ser.
Actualmente, em vez de investigar as alegações contra as suas forças armadas, como pedido pelo Relatório Goldstone, Israel está a investir muito esforço na propaganda para contrariar esse Relatório preparado para as Nações Unidas pelo judeu sionista Richard Goldstone. Israel tem estado assim na vanguarda das tentativas para mudar as leis que regulam a guerra. Mobilizando argumentos sobre as “assimetrias” na guerra contra o terrorismo, Israel está a enfraquecer o direito internacional, que tanto deve às lições do Holocausto, para facilitar a sua guerra contra o povo palestiniano. A única assimetria pertinente em causa é a do poder militar de Israel em relação a uma população sem meios eficazes para a sua defesa.
É intolerável que nada de efectivo tem sido feito para acabar com o cerco a Gaza ou aliviá-lo. Israel nem sequer deixa entrar cimento no território. Em contradição com os valores humanistas que se tornaram oficiais depois do Holocausto, o mundo ocidental só permite que esta situação (que a Amnistia Internacional apelidou de “castigo colectivo”) se tenha produzido e mantido devido à demonização racista dos árabes e dos muçulmanos em geral e dos palestinianos em particular. Apontando o dedo aos fundamentalistas islâmicos do Hamas, a propaganda israelita tem diabolizado o povo palestiniano de Gaza devido à sua resistência a Israel.
Ironicamente, a ocupação e o anti-semitismo reforçam-se mutuamente.
Para muitos judeus, cuja consciência social nasceu da nossa história de opressão e do Holocausto, a política de Israel constitui uma mácula indelével na nossa tradição supostamente humanista. Mas a propaganda israelita frequentemente intitula judeus que pensam como eu “self-hating Jews”, ou seja, judeus que se negam a si próprios. Esta táctica apagou a crítica da ocupação durante muito tempo, mas está a perder eficácia depois do massacre de Gaza. Actualmente, o alvo dessa propaganda é o próprio juiz Goldstone, tratando-o de “anti-semita” numa campanha cujo objectivo é descredibilizar o relatório da sua comissão sobre os crimes de guerra em Gaza.
Porém, há cada vez mais judeus que, como eu, consideram a política dos governos de Israel inconsistente com a sua identidade de judeu num mundo que conheceu o Holocausto. Propomos a alternativa de uma paz justa com base no direito internacional e o fim do cerco ilegal de Gaza e o fim da ocupação dos territórios palestinianos.
Eis o que muito me dá que pensar neste Dia de Lembrança do Holocausto, mas nisso pensarei enquanto judeu consciente e, neste fim-de-semana, juntar-me-ei nestes pensamentos a judeus de diferentes países europeus num congresso em Paris dos Judeus Europeus para uma Paz Justa.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2010,
Alan Stoleroff
Professor universitário
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Wednesday, 20 January 2010
Carta aos participantes da Marcha pela Liberdade de Gaza
fonte: Info Palestine
Carta aos participantes da Marcha
pela Liberdade de Gaza
Nahla Chahal – CCIPPP
tradução Maria Rodrigues equipa TPG
Caros participantes na Marcha pela Liberdade
Cheios de confiança, suscitada pela consciência da justeza da vossa acção, vós, os 1400 participantes na Marcha pela Liberdade de Gaza, haveis feito, durante meses, a preparação para o encontro com os habitantes de Gaza, neste primeiro aniversário da agressão israelita.
Atrás de cada um de vocês, estão dezenas de pessoas vossas familiares e amigas que conhecem, aprovam e apoiam a vossa acção e esperam o vosso regresso. Tal como centenas de activistas de variadas associações em todo o mundo trabalharam dia e noite para a preparação da marcha. Algumas dessas organizações nunca tinham trabalhado em conjunto; mas aprenderam a discutir, a negociar, procurando a coordenação e encontrando pontos de entendimento, e sobretudo reflectiram sobre as necessidades desta Marcha pela Liberdade de Gaza, firmemente defendida para que fosse bem sucedida. É o que podemos oferecer aos Palestinianos, de modo a que a esperança possa ser mantida e que se avance na construção da solidariedade internacional. Todos somos benévolos, mesmo que não tenhamos todos o mesmo grau de conhecimento do terreno e das realidades políticas.
Chegados ao Egipto, vocês tiveram o vosso baptismo de fogo, julgando que as negociações havidas entre os organizadores da marcha e as autoridades egípcias tinham algum significado. Quanto mais as negociações avançavam, indo ao pormenor dos números de passaporte e de voos, mais forte era a crença na realização da marcha e na possibilidade de estar em Gaza antes do fim do ano. Foi até negociado o calendário e o horário da passagem de cada grupo, escalando-os pelos dias 27, 28 e 29. Tudo foi comunicado ao ministro dos Negócios Estrangeiros egípcio, com toda a transparência, sendo nosso objectivo a passagem para Gaza via Egipto.
Ora, entretanto, o poder egípcio viu-se face a exigências às quais esperava seguramente poder esquivar-se nessa precisa data!
A administração americana deixou filtrar a sua “solução para o conflito do Médio-Oriente”, dita “Confederação Sagrada”, que exclui o Egipto dos seus planos e o priva do maná que essa solução é suposta gerar. A dita “Confederação Sagrada” seria uma entidade que englobaria Israel, a Jordânia e o Estado Palestiniano, com Jerusalém praticamente internacionalizada. Terá sido este plano que inspirou a iniciativa sueca, retomada pela União Europeia, que fala de um estado palestiniano nas fronteiras de 1967. Será este plano que inspira o primeiro ministro palestiniano Salam Sayyad que fala de um “estado palestiniano dentro de dois anos” e que se esforça por dotá-lo desde já de instituições? Será uma boa solução para a Jordânia que está assustada ao ver-se designada como “pátria alternativa” (ideia israelita frequentemente evocada)? 30% dos palestinianos do mundo inteiro aí vivem, formando pelo menos metade da população. Haverá muito dinheiro para fazer viver essa confederação, que será suficientemente sustentada pelos cuidados dos Estados Unidos na protecção aos problemas deixados por conta, nomeadamente, as confiscações de terras, os refugiados, a normalização prometida a Israel pelo conjunto do mundo árabe… e a total negligência de todo o conceito de direito!
Embora os seus bons resultados sejam muito pouco prováveis, esta proposta determinará as negociações e as conferências dos próximos anos. Mas ela marginaliza o Egipto, tanto no plano político como no plano financeiro. Ela despreza o Presidente da Autoridade Palestiniano Mahmoud Abbas, arquitectando propostas de soluções nas suas costas e não lhe prestando a devida atenção. Despreza também, e ainda mais, o Hamas, tendo sido intransigente no decorrer das negociações de troca de prisioneiros, conduzidas de início pelo Egipto, e tendo seguidamente convidado o intermediário alemão para garantir maior eficácia. O Egipto também a rejeita, não tendo querido assinar o acordo de “reconciliação nacional” com a Fatá, esforçadamente preparado. Tantas ocasiões falhadas para assegurar e manter a centralidade do Egipto (mesmo se os detentores do poder não vêem a diferença entre o país e eles próprios, quer se trate destes dossiers, quer de tudo o resto). Foi demais!
Era preciso portanto mostrar que o Egipto era incontornável! Então a concretização do “muro invertido”, imaginado por um engenheiro americano louco, tornava-se uma necessidade! Isso coincidia com a data do aniversário da agressão militar israelita? Tanto pior! Os trabalhos começaram, vigiados dia e noite por uma unidade especial da CIA. É um plano diabólico. Trata-se de inundar os túneis que têm permitido a circulação de produtos entre o Egipto e o território da faixa de Gaza. As barras de aço que perfuram o solo, atingem 30 metros de profundidade – água bombeada do mar enche os túneis, transformando-os em canais. Quanto mais estes detalhes são revelados, tanto mais as autoridades egípcias entram em provocação: dizem ser uma questão de soberania. Era bastante delicado deixar passar, mesmo ao lado do estaleiro, 1400 activistas da Marcha pela Liberdade de Gaza, enquanto eclodia o confronto entre palestinianos e polícias egípcios. Então, os responsáveis egípcios dizem Não à marcha, convocada pelo colectivo “Viva Palestina”, que negociou durante meses esta iniciativa, tendo conseguido duas passagens durante o ano de 2009. Nós protestamos? Eles mentem, dizendo que somos desordeiros, que provocamos distúrbios, que insultamos o Grande Egipto, e mais dis-que-dis.
A esta primeira razão, junta-se uma outra ainda menos gloriosa: as autoridades israelitas não vêem com bons olhos estes “terro-turistas”, no dizer de Israel. E ainda menos que eles venham precisamente nesta data quebrar o cerco de Gaza, juntando as suas vozes aos que, de todo o lado, condenam Israel. Se este não deixa passar para Gaza diplomatas europeus, como não esperar do seu aliado a interdição da Marcha pela Liberdade? Foi pedida e foi aceite.
Netanyahou quer visitar o Cairo? Até declarou que a visita se realizava a seu pedido… Isso é embaraçante, por causa desse vão aniversário; mas como estamos entre adultos, não vamos ser susceptíveis.
Aparte, os responsáveis egípcios falam justamente dessas enormes pressões sobre o país – de facto, sobre o poder. Mas esse poder fez tudo para se libertar de outro tipo de pressões que podia até equilibrar aquela: a pressão do povo e a dos movimentos políticos. O Cairo tem 17 milhões de habitantes, dos quais 11 milhões vivem em bairros de lata, uma espécie de favelas sem infra-estruturas, que rodeiam a cidade e onde impera uma total miséria (a palavra é fraca). Trata-se de uma população excedentária, na qual as autoridades nem pensam, ocupadas como estão em “construir o progresso do Egipto”. Esse “progresso” é visível: blocos de cimento (“cidades novas”, isoladas por muros de protecção e guardas armados), ocupadas por grandes multinacionais, numerosas e prósperas, grandes escolas e universidades privadas, supermercados e armazéns de luxo… e as residências dos novos ricos, incluindo os ministros. O poder também instalou forças especiais de segurança: um milhão e quatrocentos mil agentes policiais da sinistra “Segurança Central”. Estão essencialmente concentrados na cidade do Cairo, treinados em acções anti-motim, e francamente sem limites no exercício da violência. (Uma nota aos participantes na marcha: não foram estes policiais que viram frente aos vossos hotéis, não foram estes os agentes que os perseguiram ou molestaram nas ruas).
No Egipto, nenhuma manifestação é autorizada. Nenhum partido político de esquerda, liberal ou islamista é legal (excepto os que prestam apoio ao regime), as eleições são manipuladas, tendo os eminentes membros do “Clube de Juízes” (espécie de corporação autónoma) várias vezes condenado resultados enganosos de eleições. O Cairo magnífico, com os seus mil minaretes, os seus antigos bairros fatimidas, os seus edifícios renascentistas, é negligenciado e em degrada-se dia a dia. Os serviços públicos de educação, de saúde, de transporte e de alojamento são deliberadamente destruídos: nada mais resta do projecto de Nasser (com todos os defeitos que o acompanharam). As prisões estão cheias, não somente de militantes políticos confirmados, mas também de camponeses que protestaram contra a anulação da reforma agrária, de operários da grande Mahala que protestam contra os planos de privatização, de estudantes de pensamento livre, etc. etc. É um daqueles regimes desprovidos de toda a legitimidade, qualquer que seja, que se instalam sem inserção no terreno. A fórmula adequada à manutenção do poder é a ligação de dois extremos: a extrema pobreza e a extrema violência. E contar com o apoio internacional, por exemplo, o dos Estados Unidos. Este regime construiu um sistema global de gestão da sociedade que repousa sobre uma complexa e ultrasofisticada repressão. Para o tornar perene, e também para garantir que os seus segredos estão bem guardados, o actual presidente do Egipto gostaria de ver o seu filho suceder-lhe. Mas isso não é fácil e cria até alguma tensão. Então aumenta a crispação!
Caros participantes na Marcha pela Liberdade de Gaza
Durante a vossa estadia forçada no Cairo, sem que tivessem dado conta e sem querer, vocês agitaram as águas deste pântano. As autoridades egípcias estavam muito aborrecidas com a vossa presença, não sabendo como portar-se, acumulando promessas, “gaffes” e propostas retorcidas. Mas vocês levaram um sorriso de satisfação ao coração das pessoas comuns do Egipto, aquelas que cruzaram convosco nas ruas ou que ouviram falar de vocês nas rádios e televisões internacionais, pois houve reportagens e todos os egípcios ficaram a saber que alguma coisa se passou nesses dias no Cairo.
Vocês não puderam realizar o vosso objectivo mas tentaram com determinação. E isso toda a gente soube: em Gaza, como no resto da Palestina, e no mundo inteiro. O que foi feito representa o início do alargamento da acção internacional de solidariedade com Gaza. Era indispensável. A luta do povo palestiniano não é só entravada pela brutalidade e acção negativa de Israel mas também pela cumplicidade e cegueira de outros, como acabamos de verificar neste que foi um de múltiplos episódios.
Nahala ChaHal
(coordenadora da Campanha Civil Internacional
para a Protecção do Povo Palestiniano)
31 de Dezembro de 2009
Carta aos participantes da Marcha
pela Liberdade de Gaza
Nahla Chahal – CCIPPP
tradução Maria Rodrigues equipa TPG
Caros participantes na Marcha pela Liberdade
Cheios de confiança, suscitada pela consciência da justeza da vossa acção, vós, os 1400 participantes na Marcha pela Liberdade de Gaza, haveis feito, durante meses, a preparação para o encontro com os habitantes de Gaza, neste primeiro aniversário da agressão israelita.
Atrás de cada um de vocês, estão dezenas de pessoas vossas familiares e amigas que conhecem, aprovam e apoiam a vossa acção e esperam o vosso regresso. Tal como centenas de activistas de variadas associações em todo o mundo trabalharam dia e noite para a preparação da marcha. Algumas dessas organizações nunca tinham trabalhado em conjunto; mas aprenderam a discutir, a negociar, procurando a coordenação e encontrando pontos de entendimento, e sobretudo reflectiram sobre as necessidades desta Marcha pela Liberdade de Gaza, firmemente defendida para que fosse bem sucedida. É o que podemos oferecer aos Palestinianos, de modo a que a esperança possa ser mantida e que se avance na construção da solidariedade internacional. Todos somos benévolos, mesmo que não tenhamos todos o mesmo grau de conhecimento do terreno e das realidades políticas.
Chegados ao Egipto, vocês tiveram o vosso baptismo de fogo, julgando que as negociações havidas entre os organizadores da marcha e as autoridades egípcias tinham algum significado. Quanto mais as negociações avançavam, indo ao pormenor dos números de passaporte e de voos, mais forte era a crença na realização da marcha e na possibilidade de estar em Gaza antes do fim do ano. Foi até negociado o calendário e o horário da passagem de cada grupo, escalando-os pelos dias 27, 28 e 29. Tudo foi comunicado ao ministro dos Negócios Estrangeiros egípcio, com toda a transparência, sendo nosso objectivo a passagem para Gaza via Egipto.
Ora, entretanto, o poder egípcio viu-se face a exigências às quais esperava seguramente poder esquivar-se nessa precisa data!
A administração americana deixou filtrar a sua “solução para o conflito do Médio-Oriente”, dita “Confederação Sagrada”, que exclui o Egipto dos seus planos e o priva do maná que essa solução é suposta gerar. A dita “Confederação Sagrada” seria uma entidade que englobaria Israel, a Jordânia e o Estado Palestiniano, com Jerusalém praticamente internacionalizada. Terá sido este plano que inspirou a iniciativa sueca, retomada pela União Europeia, que fala de um estado palestiniano nas fronteiras de 1967. Será este plano que inspira o primeiro ministro palestiniano Salam Sayyad que fala de um “estado palestiniano dentro de dois anos” e que se esforça por dotá-lo desde já de instituições? Será uma boa solução para a Jordânia que está assustada ao ver-se designada como “pátria alternativa” (ideia israelita frequentemente evocada)? 30% dos palestinianos do mundo inteiro aí vivem, formando pelo menos metade da população. Haverá muito dinheiro para fazer viver essa confederação, que será suficientemente sustentada pelos cuidados dos Estados Unidos na protecção aos problemas deixados por conta, nomeadamente, as confiscações de terras, os refugiados, a normalização prometida a Israel pelo conjunto do mundo árabe… e a total negligência de todo o conceito de direito!
Embora os seus bons resultados sejam muito pouco prováveis, esta proposta determinará as negociações e as conferências dos próximos anos. Mas ela marginaliza o Egipto, tanto no plano político como no plano financeiro. Ela despreza o Presidente da Autoridade Palestiniano Mahmoud Abbas, arquitectando propostas de soluções nas suas costas e não lhe prestando a devida atenção. Despreza também, e ainda mais, o Hamas, tendo sido intransigente no decorrer das negociações de troca de prisioneiros, conduzidas de início pelo Egipto, e tendo seguidamente convidado o intermediário alemão para garantir maior eficácia. O Egipto também a rejeita, não tendo querido assinar o acordo de “reconciliação nacional” com a Fatá, esforçadamente preparado. Tantas ocasiões falhadas para assegurar e manter a centralidade do Egipto (mesmo se os detentores do poder não vêem a diferença entre o país e eles próprios, quer se trate destes dossiers, quer de tudo o resto). Foi demais!
Era preciso portanto mostrar que o Egipto era incontornável! Então a concretização do “muro invertido”, imaginado por um engenheiro americano louco, tornava-se uma necessidade! Isso coincidia com a data do aniversário da agressão militar israelita? Tanto pior! Os trabalhos começaram, vigiados dia e noite por uma unidade especial da CIA. É um plano diabólico. Trata-se de inundar os túneis que têm permitido a circulação de produtos entre o Egipto e o território da faixa de Gaza. As barras de aço que perfuram o solo, atingem 30 metros de profundidade – água bombeada do mar enche os túneis, transformando-os em canais. Quanto mais estes detalhes são revelados, tanto mais as autoridades egípcias entram em provocação: dizem ser uma questão de soberania. Era bastante delicado deixar passar, mesmo ao lado do estaleiro, 1400 activistas da Marcha pela Liberdade de Gaza, enquanto eclodia o confronto entre palestinianos e polícias egípcios. Então, os responsáveis egípcios dizem Não à marcha, convocada pelo colectivo “Viva Palestina”, que negociou durante meses esta iniciativa, tendo conseguido duas passagens durante o ano de 2009. Nós protestamos? Eles mentem, dizendo que somos desordeiros, que provocamos distúrbios, que insultamos o Grande Egipto, e mais dis-que-dis.
A esta primeira razão, junta-se uma outra ainda menos gloriosa: as autoridades israelitas não vêem com bons olhos estes “terro-turistas”, no dizer de Israel. E ainda menos que eles venham precisamente nesta data quebrar o cerco de Gaza, juntando as suas vozes aos que, de todo o lado, condenam Israel. Se este não deixa passar para Gaza diplomatas europeus, como não esperar do seu aliado a interdição da Marcha pela Liberdade? Foi pedida e foi aceite.
Netanyahou quer visitar o Cairo? Até declarou que a visita se realizava a seu pedido… Isso é embaraçante, por causa desse vão aniversário; mas como estamos entre adultos, não vamos ser susceptíveis.
Aparte, os responsáveis egípcios falam justamente dessas enormes pressões sobre o país – de facto, sobre o poder. Mas esse poder fez tudo para se libertar de outro tipo de pressões que podia até equilibrar aquela: a pressão do povo e a dos movimentos políticos. O Cairo tem 17 milhões de habitantes, dos quais 11 milhões vivem em bairros de lata, uma espécie de favelas sem infra-estruturas, que rodeiam a cidade e onde impera uma total miséria (a palavra é fraca). Trata-se de uma população excedentária, na qual as autoridades nem pensam, ocupadas como estão em “construir o progresso do Egipto”. Esse “progresso” é visível: blocos de cimento (“cidades novas”, isoladas por muros de protecção e guardas armados), ocupadas por grandes multinacionais, numerosas e prósperas, grandes escolas e universidades privadas, supermercados e armazéns de luxo… e as residências dos novos ricos, incluindo os ministros. O poder também instalou forças especiais de segurança: um milhão e quatrocentos mil agentes policiais da sinistra “Segurança Central”. Estão essencialmente concentrados na cidade do Cairo, treinados em acções anti-motim, e francamente sem limites no exercício da violência. (Uma nota aos participantes na marcha: não foram estes policiais que viram frente aos vossos hotéis, não foram estes os agentes que os perseguiram ou molestaram nas ruas).
No Egipto, nenhuma manifestação é autorizada. Nenhum partido político de esquerda, liberal ou islamista é legal (excepto os que prestam apoio ao regime), as eleições são manipuladas, tendo os eminentes membros do “Clube de Juízes” (espécie de corporação autónoma) várias vezes condenado resultados enganosos de eleições. O Cairo magnífico, com os seus mil minaretes, os seus antigos bairros fatimidas, os seus edifícios renascentistas, é negligenciado e em degrada-se dia a dia. Os serviços públicos de educação, de saúde, de transporte e de alojamento são deliberadamente destruídos: nada mais resta do projecto de Nasser (com todos os defeitos que o acompanharam). As prisões estão cheias, não somente de militantes políticos confirmados, mas também de camponeses que protestaram contra a anulação da reforma agrária, de operários da grande Mahala que protestam contra os planos de privatização, de estudantes de pensamento livre, etc. etc. É um daqueles regimes desprovidos de toda a legitimidade, qualquer que seja, que se instalam sem inserção no terreno. A fórmula adequada à manutenção do poder é a ligação de dois extremos: a extrema pobreza e a extrema violência. E contar com o apoio internacional, por exemplo, o dos Estados Unidos. Este regime construiu um sistema global de gestão da sociedade que repousa sobre uma complexa e ultrasofisticada repressão. Para o tornar perene, e também para garantir que os seus segredos estão bem guardados, o actual presidente do Egipto gostaria de ver o seu filho suceder-lhe. Mas isso não é fácil e cria até alguma tensão. Então aumenta a crispação!
Caros participantes na Marcha pela Liberdade de Gaza
Durante a vossa estadia forçada no Cairo, sem que tivessem dado conta e sem querer, vocês agitaram as águas deste pântano. As autoridades egípcias estavam muito aborrecidas com a vossa presença, não sabendo como portar-se, acumulando promessas, “gaffes” e propostas retorcidas. Mas vocês levaram um sorriso de satisfação ao coração das pessoas comuns do Egipto, aquelas que cruzaram convosco nas ruas ou que ouviram falar de vocês nas rádios e televisões internacionais, pois houve reportagens e todos os egípcios ficaram a saber que alguma coisa se passou nesses dias no Cairo.
Vocês não puderam realizar o vosso objectivo mas tentaram com determinação. E isso toda a gente soube: em Gaza, como no resto da Palestina, e no mundo inteiro. O que foi feito representa o início do alargamento da acção internacional de solidariedade com Gaza. Era indispensável. A luta do povo palestiniano não é só entravada pela brutalidade e acção negativa de Israel mas também pela cumplicidade e cegueira de outros, como acabamos de verificar neste que foi um de múltiplos episódios.
Nahala ChaHal
(coordenadora da Campanha Civil Internacional
para a Protecção do Povo Palestiniano)
31 de Dezembro de 2009
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