fonte: Somos Todos Palestinos
Direito à educação: Israel expulsa estudante de Gaza que estudava na Cisjordânia
Por:Vinicius Valentin Raduan Miguel
Faltando apenas dois meses para concluir seu bacharelado em Administração, estudante foi presa e expulsa para casa sem nenhuma acusação.
"A educação e a propaganda palestina são mais perigosas para Israel do que as armas palestinas." - Ariel Sharon, então primeiro-ministro israelense (1)
O Caso Berlanty Azzam
Na última quarta-feira (09 de dezembro de 2009), a Alta Corte de Israel negou permissão para uma estudante palestina de Gaza continuar seus estudos na cidade palestina de Belém, que fica situada na Cisjordânia, território palestino ocupado ilegalmente por Israel.
A estudante Berlanty Azzam de 22 anos cursa administração e lhe faltam apenas dois meses para concluir seu curso. No entanto, no dia 28 de outubro deste ano, ao retornar de uma entrevista de emprego, ela foi detida pelas autoridades da força de ocupação israelense.
Após a detenção, ela foi algemada, teve os olhos vendados e foi removida na mesma noite para Gaza, apesar da promessa explícita feita ao seu advogado de que ela teria direito de se encontrar com ele. A força de ocupação israelense alega que ela estava ilegalmente na Cisjordânia - ignorando que ninguém pode ser considerado habitante ilegal de seu próprio país.
Assistida por uma ONG (GISHA - Centro Jurídico para a Defesa da Liberdade de Ir e Vir), ela recorreu ao judiciário da força de ocupação contra a decisão, mas o Tribunal acatou a decisão do governo israelense e manteve a expulsão, mesmo tendo reconhecido que a expulsão imediata da estudante violava o seu direito a prestar declarações para a Corte.
O Judiciário da Ocupação havia também solicitado as autoridades israelenses que permitissem que a estudante concluísse seus estudos, uma vez que faltavam apenas dois meses para tal, mas não emitiu uma ordem ao ter o pedido recusado pelas autoridades coatoras.
Contrariando os Acordos de Oslo, que determinam que a alteração de endereço deve ser comunicada à Autoridade Palestina e essa última apenas notifica Israel, as autoridades da ocupação se recusaram a aceitar os vários pedidos de Berlanty Azzam para alteração de seu endereço.
Azzam não é acusada de nenhum crime e mesmo as autoridades militares da força de ocupação israelense não apresentaram razões de segurança para sua expulsão. O comandante militar israelense da área de Azzam havia concedido uma permissão para que ela entrasse na Cisjordânia após o extremamente rígido procedimento de investigação.
Após a decisão ela declarou que estava desapontada: "Eu estou profundamente desapontada e não entendo porque Israel está me impedindo de continuar meus estudos. Eles não alegam que meu retorno à Universidade de Belém é uma ameaça à segurança, não havendo, portanto motivos para a expulsão. Estudar em uma universidade palestina é meu direito e o direito de todo estudante palestino".
Desde 2000, Israel se recusa a permitir que estudantes de Gaza possam sair para estudar em outros lugares. O número estimado por organizações de direitos humanos é de 25.000 estudantes palestinos nascidos em Gaza tenham ido para a Cisjordânia e hoje estão em situação de risco e constante ameaça, podendo ser aprisionados e "enviados" para Gaza a qualquer momento.
Como Israel impede o direito à educação palestina?
A temática da educação de árabes-palestinos ou árabes-israelenses em Israel também é ampla e marcada por fortes violações aos direitos humanos promovidas pela força ocupante, mas para delimitação do texto, iremos nos deter as questões concernentes à educação palestina nos territórios palestinos serão consideradas.
O Estado de Israel, que ocupa ilegalmente desde 1967 os territórios palestinos, impede o acesso de estudantes árabes-palestinos à educação por variadas estratégias. A primeira delas é através de barreiras físicas, como os incontáveis pontos de checagem instalados no território palestino e estradas cujo trânsito é proibido para palestinos, impedindo a liberdade de movimento. Podemos colocar o Muro do Apartheid de Israel nesta categoria de bloqueios físicos.
Outras barreiras materiais são (i) os obstáculos não-permanentes como os cercos e toques de recolher militares e (ii) incursões (incluindo em universidades e acomodações estudantis que são fechadas por tempo indeterminado). Israel também controla a entrada de livros e certos periódicos, mantendo um banimento aos livros produzidos nos países árabes vizinhos, como Síria e Líbano, livros que poderiam ser adquiridos a menores custos para os acadêmicos palestinos. O intercâmbio de acadêmicos é severamente prejudicado e Israel controla rigorosamente a concessão de vistos de trabalho para pesquisadores estrangeiros.
Por fim, não podemos esquecer-nos dos bombardeios constantes promovidos por Israel na infra-estrutura civil e governamental (pontes, rodovias, ruas) que, destruídos, impedem o deslocamento da população.
Israel usa persistentemente força bruta e injustificada contra instituições de ensino palestinas. Apenas como exemplo, em janeiro desse ano, durante a Operação Chumbo Fundido (Operation Cast Lead), Israel destruiu duas escolas palestinas mantidas pela ONU, sendo um centro de formação e uma escola para meninas e bombardeou o Departamento de Ciências da Universidade de Gaza. Na guerra de junho de 2006, em que Israel atacou simultaneamente o Líbano e Gaza, a Universidade de Gaza foi atacada.
A destruição da infra-estrutura educacional é acompanhada pelas constantes prisões "administrativas" de intelectuais, jornalistas e professores, sem nenhum direito à defesa e sem acusação alguma (Hammond, 2006) e que podem durar mais de três anos.
Os dados são muitos: em dezembro de 2007, o presidente do diretório dos estudantes da Universidade de Birzeit foi preso por um ano por pertencer à organização estudantil. Ao menos outros 21 estudantes estão na mesma condição. Pelo menos 30% dos estudantes dessa universidade já foram sujeitos a interrogatórios arbitrários. Na mesma instituição, em 2006-2007, 13 estudantes estrangeiros foram impedidos de entrar para fazerem cursos ligados à língua e cultura árabe. Em 2008, oito estudantes foram impedidos de realizarem os mesmos cursos e, no ano acadêmico de 2008-2009, outros dois estudantes tiveram vistos negados.
Essa estratégia para impedir a maturação político-social e a reprodução de seus valores culturais elegeu o patrimônio educacional e intelectual palestino como inimigo prioritário da segurança israelense.
Essas medidas israelenses visam atacar a história e identidade árabe-palestina para impedir o desenvolvimento do seu capital humano e assegurar a atual condição de subdesenvolvimento, negando o direito fundamental ao acesso à educação de gerações inteiras. A tentativa de cercear direitos sociais e culturais causa impacto imediato nas possibilidades de desenvolvimento econômico e de soberania política de uma nação. Deixando bem simples, a prática israelense é uma tentativa de destruição de uma sociedade inteira e como tal deve ser denunciado.
Nota
(1) Em inglês, "The Palestinian education and propaganda are more dangerous to Israel than Palestinian weapons". A notícia foi divulgada em 18 de novembro de 2004 pelo próprio Ministério de Relações Exteriores de Israel sob a acusacao de que o textos educacionais palestinos são apologia ao terrorismo.
Referências
BIRZEIT UNIVERSITY. R2E fact sheet. RIGHT TO EDUCATION CAMPAIGN. 30 de abril de 2009. Disponível em . Acesso em 09/12/2009.
GISHA: Legal Center for Freedom of Movement. Israel's High Court Decides: Berlanty Azzam Not Allowed to Finish Her BA at Bethlehem University. 09/12/2009. Disponível em . Acesso em 09/12/2009.
HAMMOND, Keith. Palestinian Universities and the Israeli Occupation. 2006. Texto fornecido pelo autor.
HASS, Amira. High Court: Gaza student cannot complete studies in West Bank. Haaretz. 09/12/2009. Disponível em . Acesso em 09/12/2009.
Ministry of Foreign Affairs. PM Sharon: Palestinian education and propaganda are more dangerous to Israel than their weapons. Press Release - Embassy of Israel in London. Disponível em . Acesso em 09/12/2009.
Vinicius Valentin Raduan Miguel é Cientista Social pela Universidade Federal de Rondônia e Mestre em Ciência Política pela Universidade de Glasgow; é tradutor do Marxists Internet Archive.
Monday, 14 December 2009
Sunday, 6 December 2009
Os Bantustãos e a declaração unilateral de independência
Por Virgínia Tilley*
Fonte:EI
tradução:Maria Rodrigues equipa Todos Por Gaza
Primeiro como boato, depois ganhando cada vez maior importância, a proposta avançada pela direcção de Ramalá da Autoridade Palestiniana de declarar unilateralmente a independência palestiniana tomou centralidade.
A União Europeia, os Estados Unidos e outros países rejeitaram essa proposta, considerando-a “prematura”. Todavia, chegam apoios de todos os lados: jornalistas, universitários, militantes de ONG, leaders da direita israelita. O catalisador parece ser uma expressão final de desgosto e exaustão face ao fraudulento “processo de paz” e a lógica é a seguinte: se não podemos obter um estado por meio de negociações, então vamos simplesmente proclamar a independência e deixar Israel em confronto com os resultados dessa proclamação.
Porem, não será exagero considerar que esta ideia, apesar de bem intencionada, traz consigo o risco de toda a história do movimento nacional palestiniano, pois ameaça emparedar as aspirações políticas palestinianas num beco sem saída. Ironicamente, através desta manobra, a Autoridade Palestiniana apodera-se – e declara isso como um direito – precisamente da mesma fórmula bloqueada que o Congresso Nacional Africano (ANC) combateu duramente durante décadas, pois, justamente, a direcção do ANC considerava-a desastrosa. Essa fórmula é resumida numa palavra: Bantustão.
É cada vez mais perigoso para o movimento nacional palestiniano ter uma tão vaga compreensão dos bantustãos sul-africanos. Se os Palestinianos ouviram falar de bantustãos, a maioria imaginá-los-á como enclaves territoriais em que os sul-africanos negros eram obrigados a residir e, além disso, não tinham direitos políticos e viviam na miséria. Esta visão parcial é sugerida pelos comentários de Moustafa Barghouthi no Centro de Meios de Comunicação Social Wattan de Ramalá, quando alertou que Israel queria confinar os Palestinianos aos bantustãos, tendo em seguida defendido a declaração unilateral de independência nas fronteiras de 1967 – embora os bantustãos tivessem sido concebidos como “estados” nacionais nominais sem verdadeira soberania.
Os bantustãos do apartheid sul-africano não eram simplesmente enclaves territoriais bem demarcados para os negros. Constituíam a última “grande” fórmula pela qual o regime do apartheid esperava sobreviver, ou seja, eram estados independentes para os sul-africanos negros que – como os estrategas brancos do apartheid concebiam e definiam perfeitamente – resistiriam sempre à recusa permanente da igualdade de direitos e às vozes favoráveis à supremacia branca na África do Sul. Tal como fora concebido pelos arquitectos do apartheid, os dez bantustãos correspondiam aproximadamente a determinados territórios históricos associados a diferentes “povos” negros, de modo a poderem ser qualificados como “homelands”. Este termo oficial indicava a sua função ideológica: apresentarem-se como territórios nacionais e finalmente como estados independentes para os diferentes “povos” negros africanos (definidos pelo regime) e assim assegurar um futuro feliz à supremacia branca no “homeland” branco (o resto da África do Sul). Desse modo, o objectivo da deslocação forçada de milhões de negros para esses “homelands” estava coberto com um verniz progressista: onze estados vivendo pacificamente lado a lado (parece-nos até familiar!). A ideia consistia em conceder primeiramente a “autonomia” aos homelands, logo que atingissem capacidade institucional, e depois recompensar esse processo, declarando a soberania do Estado.
O desafio do governo do apartheid era então convencer as elites negras “autónomas” a aceitar a independência nesses territórios inventados e assim absolver definitivamente o governo branco de toda a responsabilidade da ausência de direitos políticos dos negros. Tendo em vista essa finalidade, o regime do apartheid seleccionou leaders e espalhou-os pelos “homelands”, onde se formou uma boa quantidade de cúmplices (os arrivistas e oportunistas habituais) que se encaixaram em lucrativos nichos de benefícios financeiros e em redes de “amiguismo” que o governo branco cultivava cuidadosamente (também isto nos é familiar!).
Pouco importava que os territórios dos Homelands fossem fragmentados em parcelas e tivessem falta dos recursos essenciais para evitar tornarem-se escoadouros de trabalho empobrecido. Mas de facto a fragmentação territorial dos Homelands, apesar de invalidante, não contava para o Grande Apartheid. Os ideólogos do apartheid explicavam ao mundo inteiro que, quando todas estas “nações” vivessem em segurança em estados independentes, as tensões abrandariam, o comércio e o desenvolvimento floresceriam, os negros seriam felizes. Assim a supremacia branca seria garantida e permanente.
A parte espinhosa deste plano era conseguir que as elites negras seleccionadas declarassem a independência nos territórios nacionais, mesmo sem soberania significativa sobre as fronteiras, sobre os recursos naturais, a água, o comércio e a política estrangeira. (Isto parece-nos familiar!) Só as elites de quatro homelands o fizeram, graças a ameaças, à corrupção e a outras “incitações”. Pelo contrário, a maioria dos negros da África do Sul não quis essa solução e o mundo rejeitou liminarmente o complot. (O único Estado a reconhecer os homelands foi Israel, companheiro de estrada). Mas os homelands conseguiram um objectivo: deformaram e dividiram a política negra, criaram terríveis divisões internas e custaram milhares de vidas ao ANC e às outras facções que as combateram. Os últimos combates ferozes da luta anti-apartheid foram nos homelands, deixando uma amarga lembrança até aos nossos dias.
A missão mais urgente do aphartheid na África do Sul – obter que os povos indígenas declarassem independência em territórios não soberanos – caiu por terra com a grande revolta dos negros que aniquilou o aphartheid. Actualmente, a suprema ironia, é que a direcção palestiniana não só cai na mesma armadilha mas até a reivindica.
As razões pelas quais a direcção da AP da Ramalá e as de outras zonas querem cair nesta armadilha são fluidas. Talvez isso pudesse ajudar os oradores a favor da paz, se fosse definido como negociação entre dois estados em vez de condição prévia para um estado. Declarar a independência podia redefinir a ocupação israelita como uma invasão e legitimar a resistência, bem como motivar uma intervenção das Nações Unidas diferente e de maior eficácia. Talvez pudesse dar aos Palestinianos um maior peso político no contexto mundial – ou, pelo menos, preservar a existência da A.P. por mais uns tempos.
O olhar sobre a experiência sul-africana dos bantustãos não pôs em cheque essas visões confusas porque há duas diferenças chave que baralham a comparação entre o apartheid sul-africano e a situação dos Palestinianos. Israel evitou dois erros fatais que contribuíram para a queda da estratégia do governo branco sul-africano nos homelands: primeiramente, não cometeu o erro inicial sul-africano de nomear leaders para dirigir o governo interino do homeland autónomo palestiniano. Na África do Sul, este erro tornou evidente que se tratava de regimes fantoches, evidenciando a ilegitimidade dos territórios “nacionais” negros, verdadeiros enclaves raciais criados artificialmente. Tendo observado o falhanço sul-africano e tendo aprendido com o seu próprio insucesso no caso da Liga das Aldeias e em outros casos, Israel preferiu diligenciar junto dos Estados Unidos na concepção do processo de Oslo, não só para repor a direcção exilada da Organização de Libertação da Palestina (OLP) e o seu presidente Yasser Arafat nos seus territórios mas também para permitir às “eleições” (sob ocupação) a atribuição de um verniz democrático, carregado de legitimidade, à “autoridade interina autónoma” palestiniana. Uma das mais tristes tragédias do actual cenário é o facto de Israel, dessa maneira, ter habilmente voltado contra os próprios Palestinianos o seu nobre desejo de democracia, concedendo-lhes a ilusão de um verdadeiro governo democrático autónomo, num espaço que, actualmente, toda a gente vê que foi previsto para ser um homeland.
E agora Israel encontrou um meio de evitar o segundo erro fatal da África do Sul, que foi declarar os “homelands” negros “estados independentes” em territórios não soberanos. Na África do Sul, esse estratagema mostrou-se claramente racista ao mundo inteiro e foi universalmente desacreditado. É evidente que, se Israel se tivesse apresentado na cena internacional dizendo “tal como sois, sois agora um estado”, os Palestinianos, tal como outros povos, teriam rejeitado liminarmente a declaração por se tratar de uma farsa cruel. Mas obter dos Palestinianos que eles declarem por si próprios a independência oferece precisamente a Israel a solução que faltou ao regime sul-africano: uma aceitação voluntária da independência de um estado não soberano pelos próprios indígenas, um estado sem capacidade politica de definir os seus limites territoriais e sem os atributos essenciais à sua existência – eis o veneno de morte política que o apartheid sul-africano não conseguiu aplicar ao ANC.
As respostas israelitas foram variadas. O governo, não mostrando excitação, declarou-se alarmado; o ministro dos negócios Estrangeiros Avigdor Lieberman ameaçou com represálias unilaterais (nao especificadas) e representantes oficiais voaram até às capitais estrangeiras para assegurar a rejeição. Todavia estes protestos israelitas podem ser enganadores. Uma das suas tácticas poderá ser persuadir os patriotas palestinianos do desinteresse israelita na declaração unilateral de independência, para afastar a suspeita do verdadeiro interesse. Uma outra será acalmar os protestos de uma parte do eleitorado obtuso do Likud para quem “estado palestiniano” é anátema. Uma reacção mais honesta poderia ser o apoio do decano do partido Kadima, Shaul Mofaz, um falcão que não podemos imaginar a favorecer um futuro palestiniano estável e próspero. Os jornalistas israelitas de direita, nos seus editoriais, oscilam entre denegrir e sustentar esta solução, argumentando que uma soberania unilateral não tem importância porque ela nada muda (aproximando-se da verdade!). Por exemplo, o primeiro ministro Benjamin Netanyahu ameaçou unilateralmente de anexar os blocos das colónias da Cisjordânia se a AP declarasse independência; porém, de qualquer modo, Israel iria fazê-lo.
No campo sionista liberal, Yossi Sarid aprovou calorosamente o plano e Yossi Alpher também, mas de forma prudente. Os seus textos sugerem a mesma frustração final sobre o “processo de paz” mas também sugerem a admissão de que talvez esse seja o único meio de salvar o sonho cada vez mais frágil de um simpático e democrático estado judeu liberal. Isso assemelha-se também a algo que poderia agradar aos Palestinianos, pelo menos para que as suas histórias culpabilizantes de expulsão e de ausência de pátria se libertem da consciência sionista liberal. Também os liberais brancos bem intencionados da África do Sul – é verdade, eles existiam! – punham fervorosamente velas a arder a favor dos Homelands negros.
Por outro lado, jornalistas judiciosos lançam-se no apoio da independência unilateral avançando com comparações abusivas: Geoórgia, Kosovo e mesmo Israel, como provas de que se trata de uma boa ideia. Mas a Geórgia, o Kosovo e Israel tinham perfis completamente diferentes em política internacional e histórias totalmente diversas da história da Palestina, sendo essas comparações sinal de preguiça intelectual. A comparação evidente é com outra situação e as lições são noutro sentido: para um povo fraco e isolado, que nunca teve um Estado e que não tem aliado internacional poderoso, declarar ou aceitar uma “independência” em enclaves não contíguos e não soberanos, controlados e rodeados por uma potência nuclear hostil, não poderá significar senão imobilizar o seu destino.
Efectivamente, a mais breve análise deveria revelar imediatamente que uma declaração unilateral de independência tornará permanente a terrível situação actual da Palestina. De acordo com a descrição de Mofaz, uma declaração unilateral permitirá aos defensores de um “estatuto final” a apelação internacional. O que não foi dito é que esses oradores ficarão sem objecto, pois será nula a vantagem palestiniana. Tal como recentemente fez notar o historiador do Médio Oriente Juan Cole, a última carta que os palestinianos podem jogar, a verdadeira apelação à consciência mundial, a única ameaça que podem levantar contra o “statu quo” israelita de ocupação e colonização, é o seu carácter apátrida. A direcção AP/Ramalá gastou todas as outras cartas. Sufocou os protestos populares, suprimiu a resistência armada, confiou a autoridade sobre questões vitais como a água a comissões “mistas” em que Israel tem o poder de veto, atacou selvaticamente o Hamas, que insistia em ameaçar as prerrogativas de Israel, enfim, faz tudo o que pode para adoçar a boca ao ocupante, para preservar a tutela internacional (protecção e dinheiro) e solicitar a prometida recompensa, que não chega nunca. Torna-se cada vez mais evidente para quem observa este cenário do exterior – e até internamente – que isto não passa de um farsa. Para começar, as potências ocidentais não operam como os regimes árabes: quando se faz tudo o que o ocidente exige, esperam-se favores em vão, pois a potência ocidental já não tem vantagem em tratar connosco e abandona-nos.
Mais importante, a comparação com a Africa do Sul ajuda a esclarecer por que é que os projectos ambiciosos de pacificação, de “construção” de instituições e de desenvolvimento económico em que a AP de Ramalá e o primeiro ministro Salam Fayyad embarcaram não são verdadeiramente exercícios de construção do Estado. Eles imitam sobretudo, com uma similitude e uma lógica assustadoras, as etapas e as políticas sul-africanas de construção dos bantustãos/homelands. De facto, o projecto de Fayyad de atingir a estabilidade política pelo desenvolvimento económico é o mesmo processo que foi formalizado abertamente na política sul-africana dos homelands sob o slogan “desenvolvimento separado”.
Em condições tão vulneráveis, nenhum governo poderá ter real poder. O “desenvolvimento separado” associa-se a uma extrema dependência, uma permanente disfunção e à vulnerabilidade. Eis a lição sul-africana que, infelizmente, não foi ainda aprendida pela Palestina – embora dela existam todos os sinais, como o próprio Fayyad admitiu na ocasião, cada vez mais frustrado. Mas, declarar a independência não resolverá o problema da fraqueza palestiniana; só o agravará.
E depois, quando o “desenvolvimento separado” espezinhar a Cisjordânia, como acontecerá, Israel fará face à insurreição palestiniana. Então antes disso acontecer, Israel terá necessidade de colocar um outro pilar para assegurar a soberania judaica: declarará um “estado” palestiniano e assim poderá reduzir o problema palestiniano a uma querela de fronteiras entre partes supostamente iguais. Nos bastidores da Knesset, os arquitectos políticos do Kadima e os sionistas liberais devem agora conter a respiração, não cessando de emitir mensagens enganosas que se espalham certamente em Ramalá, encorajando esse passo em frente e prometendo amizade, debates privilegiados e grandes vantagens. Pois todos eles conhecem o desafio que as páginas de opinião dos grandes media e os blogs académicos comentaram ultimamente: que está morta a solução dos dois estados e que Israel vai em breve fazer frente a uma luta anti-apartheid que destruirá inevitavelmente o poder do estado judaico. Também uma declaração unilateral de independência criando uma solução em dois estados - apesar do seu evidente absurdo característico de bantustão - é agora o único meio de preservar o poder do Estado judeu, porque é o único meio de fazer descarrilar o movimento anti-apartheid que anuncia a condenação de Israel.
É porque é perigosa que a comparação com os bantustãos sul-africanos foi até agora negligenciada, foi tratada como uma questão lateral, ou mesmo como uma fascinação exótica de especialista, por aqueles que se batem por eliminar o flagelo da fome em Gaza e por humanizar o cruel sistema de muros e de barricadas que impedem os cuidados aos moribundos. A súbita iniciativa da AP de Ramalá de declarar um estado independente num território não soberano deve certamente forçar-nos a uma compreensão colectiva nova, por razões pragmáticas. É tempo de dar mais atenção ao verdadeiro significado do bantustão. O movimento nacional palestiniano não pode senão esperar que algumas das suas fileiras implementem esse projecto, tão seriamente como o fez Israel, antes que seja tarde.
Publicado a 21 de Novembro de 2009-12-04
*Virgínia Tilley é antiga professora de Ciências Políticas e de
Relações Internacionais e actualmente é especialista superior no
Centro de Investigação do Instituto de Ciências Humanas da África do Sul. É autora de “The One-state Solution (Michigan Press, 2005) e de numerosos ensaios e artigos sobre o conflito israelo-palestiniano. A partir de Capetown, escreve em seu próprio nome e pode ser contactada em vtilley@mweb.co.za
Fonte:EI
tradução:Maria Rodrigues equipa Todos Por Gaza
Primeiro como boato, depois ganhando cada vez maior importância, a proposta avançada pela direcção de Ramalá da Autoridade Palestiniana de declarar unilateralmente a independência palestiniana tomou centralidade.
A União Europeia, os Estados Unidos e outros países rejeitaram essa proposta, considerando-a “prematura”. Todavia, chegam apoios de todos os lados: jornalistas, universitários, militantes de ONG, leaders da direita israelita. O catalisador parece ser uma expressão final de desgosto e exaustão face ao fraudulento “processo de paz” e a lógica é a seguinte: se não podemos obter um estado por meio de negociações, então vamos simplesmente proclamar a independência e deixar Israel em confronto com os resultados dessa proclamação.
Porem, não será exagero considerar que esta ideia, apesar de bem intencionada, traz consigo o risco de toda a história do movimento nacional palestiniano, pois ameaça emparedar as aspirações políticas palestinianas num beco sem saída. Ironicamente, através desta manobra, a Autoridade Palestiniana apodera-se – e declara isso como um direito – precisamente da mesma fórmula bloqueada que o Congresso Nacional Africano (ANC) combateu duramente durante décadas, pois, justamente, a direcção do ANC considerava-a desastrosa. Essa fórmula é resumida numa palavra: Bantustão.
É cada vez mais perigoso para o movimento nacional palestiniano ter uma tão vaga compreensão dos bantustãos sul-africanos. Se os Palestinianos ouviram falar de bantustãos, a maioria imaginá-los-á como enclaves territoriais em que os sul-africanos negros eram obrigados a residir e, além disso, não tinham direitos políticos e viviam na miséria. Esta visão parcial é sugerida pelos comentários de Moustafa Barghouthi no Centro de Meios de Comunicação Social Wattan de Ramalá, quando alertou que Israel queria confinar os Palestinianos aos bantustãos, tendo em seguida defendido a declaração unilateral de independência nas fronteiras de 1967 – embora os bantustãos tivessem sido concebidos como “estados” nacionais nominais sem verdadeira soberania.
Os bantustãos do apartheid sul-africano não eram simplesmente enclaves territoriais bem demarcados para os negros. Constituíam a última “grande” fórmula pela qual o regime do apartheid esperava sobreviver, ou seja, eram estados independentes para os sul-africanos negros que – como os estrategas brancos do apartheid concebiam e definiam perfeitamente – resistiriam sempre à recusa permanente da igualdade de direitos e às vozes favoráveis à supremacia branca na África do Sul. Tal como fora concebido pelos arquitectos do apartheid, os dez bantustãos correspondiam aproximadamente a determinados territórios históricos associados a diferentes “povos” negros, de modo a poderem ser qualificados como “homelands”. Este termo oficial indicava a sua função ideológica: apresentarem-se como territórios nacionais e finalmente como estados independentes para os diferentes “povos” negros africanos (definidos pelo regime) e assim assegurar um futuro feliz à supremacia branca no “homeland” branco (o resto da África do Sul). Desse modo, o objectivo da deslocação forçada de milhões de negros para esses “homelands” estava coberto com um verniz progressista: onze estados vivendo pacificamente lado a lado (parece-nos até familiar!). A ideia consistia em conceder primeiramente a “autonomia” aos homelands, logo que atingissem capacidade institucional, e depois recompensar esse processo, declarando a soberania do Estado.
O desafio do governo do apartheid era então convencer as elites negras “autónomas” a aceitar a independência nesses territórios inventados e assim absolver definitivamente o governo branco de toda a responsabilidade da ausência de direitos políticos dos negros. Tendo em vista essa finalidade, o regime do apartheid seleccionou leaders e espalhou-os pelos “homelands”, onde se formou uma boa quantidade de cúmplices (os arrivistas e oportunistas habituais) que se encaixaram em lucrativos nichos de benefícios financeiros e em redes de “amiguismo” que o governo branco cultivava cuidadosamente (também isto nos é familiar!).
Pouco importava que os territórios dos Homelands fossem fragmentados em parcelas e tivessem falta dos recursos essenciais para evitar tornarem-se escoadouros de trabalho empobrecido. Mas de facto a fragmentação territorial dos Homelands, apesar de invalidante, não contava para o Grande Apartheid. Os ideólogos do apartheid explicavam ao mundo inteiro que, quando todas estas “nações” vivessem em segurança em estados independentes, as tensões abrandariam, o comércio e o desenvolvimento floresceriam, os negros seriam felizes. Assim a supremacia branca seria garantida e permanente.
A parte espinhosa deste plano era conseguir que as elites negras seleccionadas declarassem a independência nos territórios nacionais, mesmo sem soberania significativa sobre as fronteiras, sobre os recursos naturais, a água, o comércio e a política estrangeira. (Isto parece-nos familiar!) Só as elites de quatro homelands o fizeram, graças a ameaças, à corrupção e a outras “incitações”. Pelo contrário, a maioria dos negros da África do Sul não quis essa solução e o mundo rejeitou liminarmente o complot. (O único Estado a reconhecer os homelands foi Israel, companheiro de estrada). Mas os homelands conseguiram um objectivo: deformaram e dividiram a política negra, criaram terríveis divisões internas e custaram milhares de vidas ao ANC e às outras facções que as combateram. Os últimos combates ferozes da luta anti-apartheid foram nos homelands, deixando uma amarga lembrança até aos nossos dias.
A missão mais urgente do aphartheid na África do Sul – obter que os povos indígenas declarassem independência em territórios não soberanos – caiu por terra com a grande revolta dos negros que aniquilou o aphartheid. Actualmente, a suprema ironia, é que a direcção palestiniana não só cai na mesma armadilha mas até a reivindica.
As razões pelas quais a direcção da AP da Ramalá e as de outras zonas querem cair nesta armadilha são fluidas. Talvez isso pudesse ajudar os oradores a favor da paz, se fosse definido como negociação entre dois estados em vez de condição prévia para um estado. Declarar a independência podia redefinir a ocupação israelita como uma invasão e legitimar a resistência, bem como motivar uma intervenção das Nações Unidas diferente e de maior eficácia. Talvez pudesse dar aos Palestinianos um maior peso político no contexto mundial – ou, pelo menos, preservar a existência da A.P. por mais uns tempos.
O olhar sobre a experiência sul-africana dos bantustãos não pôs em cheque essas visões confusas porque há duas diferenças chave que baralham a comparação entre o apartheid sul-africano e a situação dos Palestinianos. Israel evitou dois erros fatais que contribuíram para a queda da estratégia do governo branco sul-africano nos homelands: primeiramente, não cometeu o erro inicial sul-africano de nomear leaders para dirigir o governo interino do homeland autónomo palestiniano. Na África do Sul, este erro tornou evidente que se tratava de regimes fantoches, evidenciando a ilegitimidade dos territórios “nacionais” negros, verdadeiros enclaves raciais criados artificialmente. Tendo observado o falhanço sul-africano e tendo aprendido com o seu próprio insucesso no caso da Liga das Aldeias e em outros casos, Israel preferiu diligenciar junto dos Estados Unidos na concepção do processo de Oslo, não só para repor a direcção exilada da Organização de Libertação da Palestina (OLP) e o seu presidente Yasser Arafat nos seus territórios mas também para permitir às “eleições” (sob ocupação) a atribuição de um verniz democrático, carregado de legitimidade, à “autoridade interina autónoma” palestiniana. Uma das mais tristes tragédias do actual cenário é o facto de Israel, dessa maneira, ter habilmente voltado contra os próprios Palestinianos o seu nobre desejo de democracia, concedendo-lhes a ilusão de um verdadeiro governo democrático autónomo, num espaço que, actualmente, toda a gente vê que foi previsto para ser um homeland.
E agora Israel encontrou um meio de evitar o segundo erro fatal da África do Sul, que foi declarar os “homelands” negros “estados independentes” em territórios não soberanos. Na África do Sul, esse estratagema mostrou-se claramente racista ao mundo inteiro e foi universalmente desacreditado. É evidente que, se Israel se tivesse apresentado na cena internacional dizendo “tal como sois, sois agora um estado”, os Palestinianos, tal como outros povos, teriam rejeitado liminarmente a declaração por se tratar de uma farsa cruel. Mas obter dos Palestinianos que eles declarem por si próprios a independência oferece precisamente a Israel a solução que faltou ao regime sul-africano: uma aceitação voluntária da independência de um estado não soberano pelos próprios indígenas, um estado sem capacidade politica de definir os seus limites territoriais e sem os atributos essenciais à sua existência – eis o veneno de morte política que o apartheid sul-africano não conseguiu aplicar ao ANC.
As respostas israelitas foram variadas. O governo, não mostrando excitação, declarou-se alarmado; o ministro dos negócios Estrangeiros Avigdor Lieberman ameaçou com represálias unilaterais (nao especificadas) e representantes oficiais voaram até às capitais estrangeiras para assegurar a rejeição. Todavia estes protestos israelitas podem ser enganadores. Uma das suas tácticas poderá ser persuadir os patriotas palestinianos do desinteresse israelita na declaração unilateral de independência, para afastar a suspeita do verdadeiro interesse. Uma outra será acalmar os protestos de uma parte do eleitorado obtuso do Likud para quem “estado palestiniano” é anátema. Uma reacção mais honesta poderia ser o apoio do decano do partido Kadima, Shaul Mofaz, um falcão que não podemos imaginar a favorecer um futuro palestiniano estável e próspero. Os jornalistas israelitas de direita, nos seus editoriais, oscilam entre denegrir e sustentar esta solução, argumentando que uma soberania unilateral não tem importância porque ela nada muda (aproximando-se da verdade!). Por exemplo, o primeiro ministro Benjamin Netanyahu ameaçou unilateralmente de anexar os blocos das colónias da Cisjordânia se a AP declarasse independência; porém, de qualquer modo, Israel iria fazê-lo.
No campo sionista liberal, Yossi Sarid aprovou calorosamente o plano e Yossi Alpher também, mas de forma prudente. Os seus textos sugerem a mesma frustração final sobre o “processo de paz” mas também sugerem a admissão de que talvez esse seja o único meio de salvar o sonho cada vez mais frágil de um simpático e democrático estado judeu liberal. Isso assemelha-se também a algo que poderia agradar aos Palestinianos, pelo menos para que as suas histórias culpabilizantes de expulsão e de ausência de pátria se libertem da consciência sionista liberal. Também os liberais brancos bem intencionados da África do Sul – é verdade, eles existiam! – punham fervorosamente velas a arder a favor dos Homelands negros.
Por outro lado, jornalistas judiciosos lançam-se no apoio da independência unilateral avançando com comparações abusivas: Geoórgia, Kosovo e mesmo Israel, como provas de que se trata de uma boa ideia. Mas a Geórgia, o Kosovo e Israel tinham perfis completamente diferentes em política internacional e histórias totalmente diversas da história da Palestina, sendo essas comparações sinal de preguiça intelectual. A comparação evidente é com outra situação e as lições são noutro sentido: para um povo fraco e isolado, que nunca teve um Estado e que não tem aliado internacional poderoso, declarar ou aceitar uma “independência” em enclaves não contíguos e não soberanos, controlados e rodeados por uma potência nuclear hostil, não poderá significar senão imobilizar o seu destino.
Efectivamente, a mais breve análise deveria revelar imediatamente que uma declaração unilateral de independência tornará permanente a terrível situação actual da Palestina. De acordo com a descrição de Mofaz, uma declaração unilateral permitirá aos defensores de um “estatuto final” a apelação internacional. O que não foi dito é que esses oradores ficarão sem objecto, pois será nula a vantagem palestiniana. Tal como recentemente fez notar o historiador do Médio Oriente Juan Cole, a última carta que os palestinianos podem jogar, a verdadeira apelação à consciência mundial, a única ameaça que podem levantar contra o “statu quo” israelita de ocupação e colonização, é o seu carácter apátrida. A direcção AP/Ramalá gastou todas as outras cartas. Sufocou os protestos populares, suprimiu a resistência armada, confiou a autoridade sobre questões vitais como a água a comissões “mistas” em que Israel tem o poder de veto, atacou selvaticamente o Hamas, que insistia em ameaçar as prerrogativas de Israel, enfim, faz tudo o que pode para adoçar a boca ao ocupante, para preservar a tutela internacional (protecção e dinheiro) e solicitar a prometida recompensa, que não chega nunca. Torna-se cada vez mais evidente para quem observa este cenário do exterior – e até internamente – que isto não passa de um farsa. Para começar, as potências ocidentais não operam como os regimes árabes: quando se faz tudo o que o ocidente exige, esperam-se favores em vão, pois a potência ocidental já não tem vantagem em tratar connosco e abandona-nos.
Mais importante, a comparação com a Africa do Sul ajuda a esclarecer por que é que os projectos ambiciosos de pacificação, de “construção” de instituições e de desenvolvimento económico em que a AP de Ramalá e o primeiro ministro Salam Fayyad embarcaram não são verdadeiramente exercícios de construção do Estado. Eles imitam sobretudo, com uma similitude e uma lógica assustadoras, as etapas e as políticas sul-africanas de construção dos bantustãos/homelands. De facto, o projecto de Fayyad de atingir a estabilidade política pelo desenvolvimento económico é o mesmo processo que foi formalizado abertamente na política sul-africana dos homelands sob o slogan “desenvolvimento separado”.
Em condições tão vulneráveis, nenhum governo poderá ter real poder. O “desenvolvimento separado” associa-se a uma extrema dependência, uma permanente disfunção e à vulnerabilidade. Eis a lição sul-africana que, infelizmente, não foi ainda aprendida pela Palestina – embora dela existam todos os sinais, como o próprio Fayyad admitiu na ocasião, cada vez mais frustrado. Mas, declarar a independência não resolverá o problema da fraqueza palestiniana; só o agravará.
E depois, quando o “desenvolvimento separado” espezinhar a Cisjordânia, como acontecerá, Israel fará face à insurreição palestiniana. Então antes disso acontecer, Israel terá necessidade de colocar um outro pilar para assegurar a soberania judaica: declarará um “estado” palestiniano e assim poderá reduzir o problema palestiniano a uma querela de fronteiras entre partes supostamente iguais. Nos bastidores da Knesset, os arquitectos políticos do Kadima e os sionistas liberais devem agora conter a respiração, não cessando de emitir mensagens enganosas que se espalham certamente em Ramalá, encorajando esse passo em frente e prometendo amizade, debates privilegiados e grandes vantagens. Pois todos eles conhecem o desafio que as páginas de opinião dos grandes media e os blogs académicos comentaram ultimamente: que está morta a solução dos dois estados e que Israel vai em breve fazer frente a uma luta anti-apartheid que destruirá inevitavelmente o poder do estado judaico. Também uma declaração unilateral de independência criando uma solução em dois estados - apesar do seu evidente absurdo característico de bantustão - é agora o único meio de preservar o poder do Estado judeu, porque é o único meio de fazer descarrilar o movimento anti-apartheid que anuncia a condenação de Israel.
É porque é perigosa que a comparação com os bantustãos sul-africanos foi até agora negligenciada, foi tratada como uma questão lateral, ou mesmo como uma fascinação exótica de especialista, por aqueles que se batem por eliminar o flagelo da fome em Gaza e por humanizar o cruel sistema de muros e de barricadas que impedem os cuidados aos moribundos. A súbita iniciativa da AP de Ramalá de declarar um estado independente num território não soberano deve certamente forçar-nos a uma compreensão colectiva nova, por razões pragmáticas. É tempo de dar mais atenção ao verdadeiro significado do bantustão. O movimento nacional palestiniano não pode senão esperar que algumas das suas fileiras implementem esse projecto, tão seriamente como o fez Israel, antes que seja tarde.
Publicado a 21 de Novembro de 2009-12-04
*Virgínia Tilley é antiga professora de Ciências Políticas e de
Relações Internacionais e actualmente é especialista superior no
Centro de Investigação do Instituto de Ciências Humanas da África do Sul. É autora de “The One-state Solution (Michigan Press, 2005) e de numerosos ensaios e artigos sobre o conflito israelo-palestiniano. A partir de Capetown, escreve em seu próprio nome e pode ser contactada em vtilley@mweb.co.za
Thursday, 3 December 2009
As mulheres árabes de Israel não precisam sequer de se candidatar a um emprego
É a discriminação e não as especificidades culturais que mantém as famílias árabes na pobreza
por JONATHAN COOK
Em Nazaré
tradução: equipa Todos Por Gaza
Na semana passada, o Ministro das Finanças israelita foi acusado de tentar desviar as atenções das politicas discriminatórias que mantém muitas das famílias árabes do país na pobreza, colocando a culpa para os seus problemas económicos naquilo que descreveu como a “oposição da sociedade árabe ao trabalho feminino”.
Um relatório recente produzido pelo Instituto Nacional de Segurança mostra que metade das famílias árabes em Israel são consideradas pobres comparadas com 14 % das famílias judias.
Yuval Steinitz, Ministro das Finanças israelita, disse durante uma conferência sobre a discriminação no emprego, realizada este mês [novembro] que a falha das mulheres árabes em se tornarem parte da força de trabalho tinha um impacto negativo na economia de Israel. Só dezoito por cento das mulheres árabes estão empregadas, e dessas, apenas metade a tempo inteiro, enquanto que pelo menos 55 % das mulheres judias trabalha.
O ministro atribuiu a baixa taxa de emprego entre esta minoria a “obstáculos culturais, estruturas tradicionais e à crença que as mulheres árabes devem permanecer nas suas cidades de origem”, dizendo ainda que estas restrições são características de todas as sociedades árabes.
Contudo, há investigadores e associações de mulheres que sublinham que o numero de mulheres árabes em Israel é mais baixo do que em quase todos os outros países do mundo árabe, incluído aqueles onde os números do emprego feminino são uma mancha, como sucede na Arábia Saudita e Omã.
“A maior parte das mulheres árabes quer trabalhar, incluindo um grande número de licenciadas, mas o governo tem recusado abordar os vários e grandes obstáculos que lhe têm aparecido no caminho” disse Sawsan Shukhra, da associação Mulheres contra a Violência, uma associação com base em Nazaré.
Esta afirmação é confirmada por um inquérito realizado este mês e que revela que 83 % dos homens de negócios israelitas nas principais profissões (incluindo publicidade, direito, banca, contabilidade e media) admitiram ser contrários à ideia de contratar licenciados árabes, independentemente do seu sexo.
Yousef Jabareen, um urbanista da Universidade Técnica de Technion em Haifa, que realizou um dos maiores inquéritos sobre o emprego das mulheres árabes em Israel, disse que os problemas que estas enfrentam são únicos.
“Em Israel enfrentam uma dupla discriminação, por serem mulheres e por serem árabes” disse.
A média de emprego feminino no mundo árabe é cerca de 40&. Só em Gaza, na Cisjordânia e no Iraque (onde se vive em circunstâncias excepcionais, é que encontramos taxas de emprego entre as mulheres árabes mais baixas do que em Israel.
Jabareen acrescentou que uma série de factores funcionam como obstáculos para as mulheres árabes, entre os quais políticas discriminatórias aplicadas por sucessivos governos para prevenir que a minoria árabe de 1.3 milhões, que constitui cerca de um quinto da população do pais, usufruísse de qualquer tipo de desenvolvimento económico. Estas medidas incluem discriminação generalizada nas políticas de contratação quer no sector privado quer no público, um fracasso em construir zonas industriais e fábricas perto das comunidades árabes, falta de serviço público de apoio à maternidade, quando comparado com aquele que é providenciado às comunidades judias, falta de transportes nas áreas árabes que impedem as mulheres de se deslocar a lugares onde há trabalho e falta de cursos direccionados para as mulheres árabes.
De acordo com um estudo efectuado pela associação Mulheres contra a Violência, 40 por cento das mulheres árabes detentoras de um grau académico não conseguem arranjar emprego. Aquando da entrevista, Mr Jabareen disse que 78% das mulheres desempregadas culpam a falta de oportunidade de emprego pela sua situação.
Maali Abu Roumi, de 24 anos, da cidade de Tamra no norte de Israel, tem procurado emprego como técnica de trabalho social desde que acabou o curso há dois anos. Um relatório elaborado por Sikkuy, uma organização que promove a igualdade cívica em Israel, revelou este mês que a população árabe de Israel recebe cerca de menos 70% de ajuda governamental para serviços sociais do que a população judia, e que os técnicos de serviço social árabes (numa profissão mal paga e que atrai maioritariamente mulheres) tinham uma carga de trabalho superior em 50%.
Maali Abu Roumi disse também que, para além disso, escolas Arabes, ao contrário das escolas judias não podem empregar um trabalhador social porque não têm dinheiro, e que a minoria árabe de Israel não usufruía das instituições de assistência social fundadas por judeus de outros países que ofereciam trabalho a muitos técnicos sociais judeus. “ A maior parte dos judeus com quem estudei já encontraram emprego, enquanto que muito poucos dos árabes do meu curso o conseguiram” disse. “quando um trabalho aparece, é geralmente em part-time e há sempre dúzias de concorrentes”.
O Centro de Planificação Alternativa, uma organização árabe que estuda o uso da terra em Israel, informou que em 2007, apenas 3.5 por centro das zonas industriais do país estavam localizadas em comunidades árabes. A maior parte atraia apenas pequenos negócios como oficinas de reparação de carros ou de carpintaria, que oferecem poucas oportunidade às mulheres.
“O sector privado israelita está quase totalmente fechado ás mulheres árabes devido a práticas discriminatórias dos empregadores que preferem dar emprego a judeus”, disse Mr. Jabareen. Disse ainda que o governo falhou em dar o exemplo: entre os trabalhadores governamentais, menos de 2% são mulheres árabes, apesar de vários ministros pedirem o aumento de emprego para os árabes.
A Sra Sukha sublinha: “ O serviço público é um grande empregador, mas muitos desses trabalhos ficam no centro da cidade, em Tel-Aviv e em Jerusalém, muito longe do norte, onde vive a maioria dos cidadãos árabes.
Para além disso, a maior parte não pode viajar longas distâncias para encontrar trabalho devido à escassez no fornecimento de serviços de apoio às crianças. De 1600 centros de pré-escolar públicos existentes em todo o país só 25 estão junto das comunidades árabes. Shawshan Shukha também critica o ministério do comercio e da industria dizendo que apesar de este investir muito na educação das mulheres judias só 6% das mulheres árabes frequentam cursos, sobretudo os de costura e secretariado.
Jabareen disse que de acordo com este inquérito, 56% das mulheres árabes desempregadas queria trabalhar imediatamente. “Desde 1948 que os governos israelitas culpam as barreiras culturais impedindo as mulheres árabes trabalhar da sua pobreza, mas todas as investigações mostram que o argumento é absurdo” comentou. Há centenas de mulheres árabes que competem pelos trabalhos que aparecem no mercado”.
Acrescentou que os homens árabes também enfrentam discriminação, mas encontram trabalho porque preenchem a necessidade de trabalho pesado e manual que a maior parte dos judeus recusa fazer, e viajando ainda longas distâncias para os locais das obras.
“As mulheres nem sequer têm essa opção” ajuntou. “ Não podem fazer esse tipo de trabalho e precisam de ficar perto das suas comunidades porque têm responsabilidades nas suas casas”.
O urbanista disse ainda que em média as mulheres árabes em Israel têm mais anos de escolarização do que as dos países árabes vizinhos e do que no terceiro mundo. Há até mais mulheres árabes do que homens a estudar na universidade.
“Toda a investigação levada a cabo mostra que quanto mais educada é a população, mais fácil deveria ser encontrar emprego. O caso das mulheres árabes em Israel contraria estes dados. Constituem um caso único”.
Um estudo realizado pelo Banco de Israel e publicado no mês passado sugere razões adicionais para o nível de pobreza das famílias árabes. Mostra que os homens árabes são forçados a reformar-se por volta dos 40 anos, uma década antes dos trabalhadores judeus e dos trabalhadores europeus e americanos.
Os investigadores atribuem o desemprego dos homens árabes ao facto de que a maior parte executa apenas trabalhos físicos muito exigentes e também ao facto destes trabalhadores estarem a ser substituídos por trabalhadores oriundos do terceiro mundo, que recebem menos do que o salário mínimo.
Jonathan Cook é um escritor e jornalista que vive em Nazaré. O seu site é: www.jkcook.net.
(uma versão deste artigo foi originalmente publicada em The National)
fonte: Counterpunch
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tradução TPG
Monday, 30 November 2009
A Autoridade Palestiniana contra a libertação da Palestina e contra a solidariedade internacional
fonte:Somos Todos Palestinos e Al Ahram Weekly
A forma como a Autoridade Palestiniana (AP) se comportou em Genebra foi como o último prego no caixão da solidariedade internacional para com a causa palestiniana, no seu sentido mais usual.
3 de Novembro de 2009
Aqueles que tomaram esta decisão sabiam-no bem. A solidariedade internacional ficou confundida com as questões instigadas pelos Acordos de Oslo, um tratado firmado com a potência que exercia a ocupação antes mesmo de se avistar uma solução. Será que a luta pela libertação estava em progresso quando a ocupação estava ainda no terreno? Ou o processo de Oslo significou que a questão residia agora na capacidade dos "dois lados" chegarem a um acordo? Embora o movimento de solidariedade tenha feito lembrar um pouco a segunda Intifada, o desacordo dos palestinianos e o comportamento da AP em relação à guerra em Gaza lançou o acordo novamente para o meio da confusão. Mesmo assim, por mais fragmentadas e desordenadas que fossem, as organizações e movimentos militantes ou semi-militantes reuniram toda a energia que puderam para apoiar os palestinianos, mesmo divididos, no seguimento do ataque israelense a Gaza. O Relatório Goldstone foi o resultado deste dinamismo. Mas actualmente, após o dia 2 de Outubro em Genebra, quem vai mostrar solidariedade para com os palestinianos, como e por que razão o fariam?
O partido palestiniano que declarou em Genebra a retirada do seu apoio ao Relatório Goldstone agiu não como se os palestinianos precisassem de todo o apoio que pudessem reunir, mas como se fizesse parte da ordem internacional. Estavam junto com os da Casa Branca; por isso, quem precisa da solidariedade do povo quando é convidado do presidente dos EUA? Por outro lado, esse movimento de solidariedade pode, por vezes, ter efeitos negativos. O movimento apoia o povo de Gaza, por exemplo, enquanto as autoridades palestinianas em questão se encontram do outro lado do bloqueio, agindo no sentido de impedir qualquer esforço que possa ser vantajoso aos seus adversários políticos palestinianos. Estas autoridades disseram adeus ao movimento de libertação há já algum tempo. "Adeus, movimento de libertação", disseram, muito antes de este estar sequer nas previsões. Para quem tem olhos e ouvidos, esta é a dura realidade. Porém, o seu comportamento em Genebra foi um adeus definitivo e inequívoco ao espírito e à lógica da libertação e dos movimentos de solidariedade.
No meio das minudências das manobras políticas e dos rodeios em relação ao processo dos colonatos que dominavam os noticiários, perdeu-se não só o todo, mas também a essência da causa palestiniana. Este é precisamente o problema que os meios de comunicação social, que se pautam pela objectividade, deviam ultrapassar.
A arena internacional da era Obama fervilha em acções políticas mais direccionadas a dar o pontapé de saída no processo de paz do que em chegar a um acordo justo de paz. É provável que venhamos a assistir a uma conferência de paz no prazo de três meses, que trará de volta as "glórias" dos acordos de Camp David II, embora sem Arafat (que se recusou a abrir mão de Jerusalém), mas com Netanyahu. Mas nesse caso, poderemos confiar no segundo para recusar as mesmas propostas que Arafat rejeitou e, porque é um israelense extremamente patriótico, podemos até esperar mais do que isso. Também não devemos esperar que a administração actual em Washington se afaste das regras estabelecidas pelos seus antecessores para o suposto processo de paz. A administração Obama poderá ser o resultado do fracasso das políticas neoconservadoras, até ao ponto de se ver forçada a abandonar a exportação da democracia e reconhecer o fracasso da aventura no Iraque. Contudo, a situação dos estados árabes é tal que estes não podem tirar partido das fraquezas desta administração na área da política externa. Mesmo que fossem capazes, os governos do "eixo moderado" não estão interessados em entrar numa disputa por causa da Palestina, pois andam deliciados com a chegada de uma administração que abandonou a retórica da disseminação da democracia e dos direitos humanos.
Aparentemente, algumas autoridades árabes viram aqui uma oportunidade de "pressionar" Washington no sentido de não insistirem para que Israel pare a expansão dos colonatos e se concentre, pelo contrário, em reabrir as negociações para uma solução duradoura, com o pretexto de que a questão dos colonatos se resolveria, em todo o caso, nesta conjuntura. Mas mesmo no Iraque, onde a política externa dos EUA mais fraqueja, a ordem árabe instituída não conseguiu transformar esta debilidade (que é o produto dos empreendimentos alcançados pela resistência árabe) numa política que assegurasse a prioridade dos seus interesses e causas na agenda negocial entre os EUA, o Irão e a Turquia. Por isso, no que diz respeito à pressão norte-americana sobre Israel, Washington está aprisionada aos velhos hábitos. O cerne da mediação diplomática de George Mitchell, enviado norte-americano ao Médio Oriente, pode resumir-se em três pontos: convencer os árabes a adoptar iniciativas benevolentes na normalização das relações com Israel, assegurar a ajuda árabe no financiamento da AP, que é principalmente apoiada pela Europa; e garantir que os árabes estejam oficial e solidamente contra os que governam em Gaza.
Apesar de todas estas movimentações, a administração Obama espera terminar aquilo que as administrações de Clinton e Bush não conseguiram, na tentativa de convencer Israel e o mundo árabe a transformar o estado palestiniano proposto num "pacote negocial" completo. O "pacote", neste caso, é a fundação de um estado palestiniano em troca da renúncia dos árabes, primeiro, ao direito de regresso dos refugiados palestinianos e, segundo, da abdicação do desejo de que Israel abandone todos os territórios que ocupou desde Junho de 1967, incluindo Jerusalém Oriental. Para os árabes, a conclusão deste acordo significaria não só abandonar a causa palestiniana tal qual a entendemos historicamente, mas também abandonar o ponto de partida das suas iniciativas de paz. Israel, por seu lado, tem abraçado esta causa desde Sharon. Tem concentrado esforços em reduzir o estado proposto à mais pequena faixa de território possível e com o mínimo de direitos de soberania. Para que tal aconteça, Israel está a tirar vantagem da renúncia por parte da AP e da ordem árabe oficial a todos os instrumentos de gestão de conflitos, para além do seu formato de negociações para impor uma paz " de facto " no terreno (onde o nível e condições de vida do povo, incluindo bloqueios nas estradas e coisas do género, são as prioridades), e está a tirar igualmente partido da ideia dos dois estados para forçar os árabes a reconhecer a natureza judaica de Israel, o que implicitamente envolve a renúncia ao direito de regressar, a aceitação retroactiva do sionismo e também do facto de que Israel tem estado histórica e moralmente certo, enquanto os árabes têm estado histórica e moralmente errados.
Entretanto, a nova administração norte-americana começou a exigir uma paragem na expansão dos colonatos israelenses. Os árabes, incluindo os palestinianos, reiteraram a exigência. Aqui seria talvez útil recordar que na história da construção dos colonatos, as épocas em que esta foi mais rápida foram aquelas em que foi anunciado publicamente uma paragem na construção. Qualquer pessoa que conheça Israel e a forma como opera, sabe que a planificação e a construção são uma actividade central deste estado, que foi fundado com base em planos e construções. Israel planeia com um avanço de 20 anos. Qualquer paragem que dispense projectos de construção, para os quais já existiam planos, dá azo a que a construção continue por mais 20 anos.
Seja como for, o actual governo israelense nem sequer teria coragem de parar oficialmente porque este governo, ao contrário do seu antecessor, confia nas forças políticas que afirmam que a mera proclamação de uma paragem, por mais fraudulenta que seja, é um compromisso moral. Israel, na opinião dos extremistas de direita, tem de declarar oficialmente a sua legitimidade em expandir os colonatos, em vez de o fazer de forma dissimulada. Em Israel, o debate não se tem centrado na paragem (uma vez que realmente nunca houve uma), mas sobre se o estado deve ou não proclamá-la. Mas é de lamentar que os meios de comunicação social árabes entrem no jogo e, consequentemente, mantenham os árabes concentrados nas particularidades deste debate, pois isto oculta o facto de que a construção prossegue actualmente a todo o gás, especialmente em Jerusalém, e que o bloqueio a Gaza continua tão apertado quanto antes, sendo apenas uma ligeira variação da guerra de Dezembro/Janeiro.
Regressemos à questão fundamental, cuja implementação colide com as ambições de Israel: e então, o que é feito do direito a regressar? Acima de tudo, convém realçar que esse direito não emana de uma resolução internacional e que o povo palestiniano e árabe não abdicam deste direito, mesmo sem uma resolução que lhes dê aprovação oficial, se bem que, na verdade, essa resolução exista. É impossível recuperar o direito a regressar através de um acordo com Israel. Isso só poderá acontecer pela derrota de Israel no contexto do conflito entre árabes e sionistas. Por isso, se os árabes desistirem do conflito ou da estratégia de luta, então, estarão efectivamente a renunciar ao direito de regressar. Mesmo que a Organização para a Libertação da Palestina existisse enquanto organização militante, e mesmo que a AP fosse uma autoridade que operasse em conformidade com a lógica de libertação, os árabes não conseguiriam recuperar o direito a regressar na mesa de negociações com Israel, pelo simples facto de que Israel considera este direito como uma negação do seu próprio estado. Talvez por isso, muitos árabes se tenham afastado da retórica de recuperar este direito pela vitória sobre Israel e da retórica da recusa em naturalizar os refugiados palestinianos no contexto do processo de negociação. Para além disso, como se viu na prática, a rejeição da naturalização significou, na maioria dos casos, um "não à naturalização neste país, embora se outros países lhes quiserem dar direito de cidadania, é lá com eles".
De facto, esta posição é racista e, tal como o sectarismo e faccionismo, inserir-se na filiação numa única identidade árabe. A rejeição do conceito de naturalização em países que mantêm relações de paz com Israel e cujos acordos não incluem o princípio do direito a regressar, e nos países que contam com um eventual acordo de paz para recuperarem os territórios que Israel ocupou em 1967 e nos anos seguintes, não acarreta o direito de regresso. Será que estes países consideram que o assunto deve ser deixado para o governo de Abbas-Fayyad? Certamente que não, pois na prática a AP renunciou há muito tempo ao direito de regresso e mesmo que não o tivesse feito, não poderia impor esse direito no contexto da sua relação com Israel. Então, todos estes países encaram o direito de regresso como um assunto a ser abordado não entre eles e Israel, mas sim entre os palestinianos residentes nestes países e Israel. O único resultado lógico seria incentivar o racismo contra os refugiados palestinianos nestes países, o que estaria em conformidade com a disseminação de mentalidades sectárias, provincianas e tribais na cultura política das sociedades árabes e dos seus regimes vigentes.
Como é que a criação de um estado palestiniano poderá ser um pacote negocial? Chegados a este ponto, temos de entrar no reino da imaginação árabe e norte-americana, independentemente da posição israelense. Na imaginação de Washington, os ditames do realismo levarão os árabes a aceitar uma troca de território em vez de ser Israel a voltar às suas fronteiras de 1967. Acreditam ainda que "soluções criativas" para os locais sagrados resolverão o problema de Jerusalém sem que Israel tenha de se retirar da zona árabe da cidade. No que diz respeito à questão dos refugiados, esta resolver-se-á automaticamente por si só pela mera existência de um estado, que transformará os refugiados em cidadãos palestinianos residentes no estrangeiro com passaporte palestiniano. Segundo esta imaginação pragmática, embora muitos problemas fiquem pendentes, o estatuto legal dos refugiados resolver-se-á sem necessidade de regresso ou naturalização.
Este é actualmente o desafio. A indignidade que se desvenda em Genebra e Nova Iorque possui servos ávidos para os quais, mais do que nunca, os fins justificam os meios. Estes servos acreditam ser uma parte integrante da ordem internacional. Já não estão do lado de fora, como militantes revolucionários. Nem estão nas margens, como Arafat durante as Intifadas e no período após Oslo. E apesar da sua mera filiação na ordem internacional, eles imaginam que irão ter sucesso na sua busca por um estado. Encontramos aqui a fonte do desprezo por aquilo que os movimentos de libertação geralmente consideram como o centro da sua missão, ou seja, mobilizar o mundo contra os crimes da ocupação estrangeira na esperança de pelo menos refrear a mão do país que exerce a ocupação. Encontramos também um motivo para abandonar a própria ideia de conflito com a nação colonialista. Eles vêem-se a si próprios como pares hipotéticos desse estado, o que lhes dá o direito de usar os mesmos termos e a mesma linguagem pragmática, e de diminuir os apelos de justiça e respeito pelos direitos humanos, como fizeram escandalosamente quando votaram o Relatório Goldstone em Genebra.
Estão financeiramente corrompidos, colaboram em questões de segurança com a potência invasora, estabelecem uma entidade de governo repressivo com uma milícia para arrancar a própria noção de "solidariedade" da mente das pessoas e tomam parte num bloqueio económico cruel contra um grande número de concidadãos palestinianos. Estão, de facto, a agir de acordo com a natureza e espírito de uma ordem internacional que mente sobre crimes de guerra. Não vale sequer a pena tentarmos explicar as nossas razões a pessoas assim porque elas dir-nos-ão que estavam lá, que amadureceram e nós somos ingénuos. Pertencem a uma geração que teve um movimento de libertação, mas infectaram-no com a sua própria decadência antes que o movimento pudesse resultar num estado. Neste aspecto, deram provas de que não têm rivais.
Azmi Bishara
Al-Ahram Weekly, No. 968, 15-21/Outubro/2009
A forma como a Autoridade Palestiniana (AP) se comportou em Genebra foi como o último prego no caixão da solidariedade internacional para com a causa palestiniana, no seu sentido mais usual.
3 de Novembro de 2009
Aqueles que tomaram esta decisão sabiam-no bem. A solidariedade internacional ficou confundida com as questões instigadas pelos Acordos de Oslo, um tratado firmado com a potência que exercia a ocupação antes mesmo de se avistar uma solução. Será que a luta pela libertação estava em progresso quando a ocupação estava ainda no terreno? Ou o processo de Oslo significou que a questão residia agora na capacidade dos "dois lados" chegarem a um acordo? Embora o movimento de solidariedade tenha feito lembrar um pouco a segunda Intifada, o desacordo dos palestinianos e o comportamento da AP em relação à guerra em Gaza lançou o acordo novamente para o meio da confusão. Mesmo assim, por mais fragmentadas e desordenadas que fossem, as organizações e movimentos militantes ou semi-militantes reuniram toda a energia que puderam para apoiar os palestinianos, mesmo divididos, no seguimento do ataque israelense a Gaza. O Relatório Goldstone foi o resultado deste dinamismo. Mas actualmente, após o dia 2 de Outubro em Genebra, quem vai mostrar solidariedade para com os palestinianos, como e por que razão o fariam?
O partido palestiniano que declarou em Genebra a retirada do seu apoio ao Relatório Goldstone agiu não como se os palestinianos precisassem de todo o apoio que pudessem reunir, mas como se fizesse parte da ordem internacional. Estavam junto com os da Casa Branca; por isso, quem precisa da solidariedade do povo quando é convidado do presidente dos EUA? Por outro lado, esse movimento de solidariedade pode, por vezes, ter efeitos negativos. O movimento apoia o povo de Gaza, por exemplo, enquanto as autoridades palestinianas em questão se encontram do outro lado do bloqueio, agindo no sentido de impedir qualquer esforço que possa ser vantajoso aos seus adversários políticos palestinianos. Estas autoridades disseram adeus ao movimento de libertação há já algum tempo. "Adeus, movimento de libertação", disseram, muito antes de este estar sequer nas previsões. Para quem tem olhos e ouvidos, esta é a dura realidade. Porém, o seu comportamento em Genebra foi um adeus definitivo e inequívoco ao espírito e à lógica da libertação e dos movimentos de solidariedade.
No meio das minudências das manobras políticas e dos rodeios em relação ao processo dos colonatos que dominavam os noticiários, perdeu-se não só o todo, mas também a essência da causa palestiniana. Este é precisamente o problema que os meios de comunicação social, que se pautam pela objectividade, deviam ultrapassar.
A arena internacional da era Obama fervilha em acções políticas mais direccionadas a dar o pontapé de saída no processo de paz do que em chegar a um acordo justo de paz. É provável que venhamos a assistir a uma conferência de paz no prazo de três meses, que trará de volta as "glórias" dos acordos de Camp David II, embora sem Arafat (que se recusou a abrir mão de Jerusalém), mas com Netanyahu. Mas nesse caso, poderemos confiar no segundo para recusar as mesmas propostas que Arafat rejeitou e, porque é um israelense extremamente patriótico, podemos até esperar mais do que isso. Também não devemos esperar que a administração actual em Washington se afaste das regras estabelecidas pelos seus antecessores para o suposto processo de paz. A administração Obama poderá ser o resultado do fracasso das políticas neoconservadoras, até ao ponto de se ver forçada a abandonar a exportação da democracia e reconhecer o fracasso da aventura no Iraque. Contudo, a situação dos estados árabes é tal que estes não podem tirar partido das fraquezas desta administração na área da política externa. Mesmo que fossem capazes, os governos do "eixo moderado" não estão interessados em entrar numa disputa por causa da Palestina, pois andam deliciados com a chegada de uma administração que abandonou a retórica da disseminação da democracia e dos direitos humanos.
Aparentemente, algumas autoridades árabes viram aqui uma oportunidade de "pressionar" Washington no sentido de não insistirem para que Israel pare a expansão dos colonatos e se concentre, pelo contrário, em reabrir as negociações para uma solução duradoura, com o pretexto de que a questão dos colonatos se resolveria, em todo o caso, nesta conjuntura. Mas mesmo no Iraque, onde a política externa dos EUA mais fraqueja, a ordem árabe instituída não conseguiu transformar esta debilidade (que é o produto dos empreendimentos alcançados pela resistência árabe) numa política que assegurasse a prioridade dos seus interesses e causas na agenda negocial entre os EUA, o Irão e a Turquia. Por isso, no que diz respeito à pressão norte-americana sobre Israel, Washington está aprisionada aos velhos hábitos. O cerne da mediação diplomática de George Mitchell, enviado norte-americano ao Médio Oriente, pode resumir-se em três pontos: convencer os árabes a adoptar iniciativas benevolentes na normalização das relações com Israel, assegurar a ajuda árabe no financiamento da AP, que é principalmente apoiada pela Europa; e garantir que os árabes estejam oficial e solidamente contra os que governam em Gaza.
Apesar de todas estas movimentações, a administração Obama espera terminar aquilo que as administrações de Clinton e Bush não conseguiram, na tentativa de convencer Israel e o mundo árabe a transformar o estado palestiniano proposto num "pacote negocial" completo. O "pacote", neste caso, é a fundação de um estado palestiniano em troca da renúncia dos árabes, primeiro, ao direito de regresso dos refugiados palestinianos e, segundo, da abdicação do desejo de que Israel abandone todos os territórios que ocupou desde Junho de 1967, incluindo Jerusalém Oriental. Para os árabes, a conclusão deste acordo significaria não só abandonar a causa palestiniana tal qual a entendemos historicamente, mas também abandonar o ponto de partida das suas iniciativas de paz. Israel, por seu lado, tem abraçado esta causa desde Sharon. Tem concentrado esforços em reduzir o estado proposto à mais pequena faixa de território possível e com o mínimo de direitos de soberania. Para que tal aconteça, Israel está a tirar vantagem da renúncia por parte da AP e da ordem árabe oficial a todos os instrumentos de gestão de conflitos, para além do seu formato de negociações para impor uma paz " de facto " no terreno (onde o nível e condições de vida do povo, incluindo bloqueios nas estradas e coisas do género, são as prioridades), e está a tirar igualmente partido da ideia dos dois estados para forçar os árabes a reconhecer a natureza judaica de Israel, o que implicitamente envolve a renúncia ao direito de regressar, a aceitação retroactiva do sionismo e também do facto de que Israel tem estado histórica e moralmente certo, enquanto os árabes têm estado histórica e moralmente errados.
Entretanto, a nova administração norte-americana começou a exigir uma paragem na expansão dos colonatos israelenses. Os árabes, incluindo os palestinianos, reiteraram a exigência. Aqui seria talvez útil recordar que na história da construção dos colonatos, as épocas em que esta foi mais rápida foram aquelas em que foi anunciado publicamente uma paragem na construção. Qualquer pessoa que conheça Israel e a forma como opera, sabe que a planificação e a construção são uma actividade central deste estado, que foi fundado com base em planos e construções. Israel planeia com um avanço de 20 anos. Qualquer paragem que dispense projectos de construção, para os quais já existiam planos, dá azo a que a construção continue por mais 20 anos.
Seja como for, o actual governo israelense nem sequer teria coragem de parar oficialmente porque este governo, ao contrário do seu antecessor, confia nas forças políticas que afirmam que a mera proclamação de uma paragem, por mais fraudulenta que seja, é um compromisso moral. Israel, na opinião dos extremistas de direita, tem de declarar oficialmente a sua legitimidade em expandir os colonatos, em vez de o fazer de forma dissimulada. Em Israel, o debate não se tem centrado na paragem (uma vez que realmente nunca houve uma), mas sobre se o estado deve ou não proclamá-la. Mas é de lamentar que os meios de comunicação social árabes entrem no jogo e, consequentemente, mantenham os árabes concentrados nas particularidades deste debate, pois isto oculta o facto de que a construção prossegue actualmente a todo o gás, especialmente em Jerusalém, e que o bloqueio a Gaza continua tão apertado quanto antes, sendo apenas uma ligeira variação da guerra de Dezembro/Janeiro.
Regressemos à questão fundamental, cuja implementação colide com as ambições de Israel: e então, o que é feito do direito a regressar? Acima de tudo, convém realçar que esse direito não emana de uma resolução internacional e que o povo palestiniano e árabe não abdicam deste direito, mesmo sem uma resolução que lhes dê aprovação oficial, se bem que, na verdade, essa resolução exista. É impossível recuperar o direito a regressar através de um acordo com Israel. Isso só poderá acontecer pela derrota de Israel no contexto do conflito entre árabes e sionistas. Por isso, se os árabes desistirem do conflito ou da estratégia de luta, então, estarão efectivamente a renunciar ao direito de regressar. Mesmo que a Organização para a Libertação da Palestina existisse enquanto organização militante, e mesmo que a AP fosse uma autoridade que operasse em conformidade com a lógica de libertação, os árabes não conseguiriam recuperar o direito a regressar na mesa de negociações com Israel, pelo simples facto de que Israel considera este direito como uma negação do seu próprio estado. Talvez por isso, muitos árabes se tenham afastado da retórica de recuperar este direito pela vitória sobre Israel e da retórica da recusa em naturalizar os refugiados palestinianos no contexto do processo de negociação. Para além disso, como se viu na prática, a rejeição da naturalização significou, na maioria dos casos, um "não à naturalização neste país, embora se outros países lhes quiserem dar direito de cidadania, é lá com eles".
De facto, esta posição é racista e, tal como o sectarismo e faccionismo, inserir-se na filiação numa única identidade árabe. A rejeição do conceito de naturalização em países que mantêm relações de paz com Israel e cujos acordos não incluem o princípio do direito a regressar, e nos países que contam com um eventual acordo de paz para recuperarem os territórios que Israel ocupou em 1967 e nos anos seguintes, não acarreta o direito de regresso. Será que estes países consideram que o assunto deve ser deixado para o governo de Abbas-Fayyad? Certamente que não, pois na prática a AP renunciou há muito tempo ao direito de regresso e mesmo que não o tivesse feito, não poderia impor esse direito no contexto da sua relação com Israel. Então, todos estes países encaram o direito de regresso como um assunto a ser abordado não entre eles e Israel, mas sim entre os palestinianos residentes nestes países e Israel. O único resultado lógico seria incentivar o racismo contra os refugiados palestinianos nestes países, o que estaria em conformidade com a disseminação de mentalidades sectárias, provincianas e tribais na cultura política das sociedades árabes e dos seus regimes vigentes.
Como é que a criação de um estado palestiniano poderá ser um pacote negocial? Chegados a este ponto, temos de entrar no reino da imaginação árabe e norte-americana, independentemente da posição israelense. Na imaginação de Washington, os ditames do realismo levarão os árabes a aceitar uma troca de território em vez de ser Israel a voltar às suas fronteiras de 1967. Acreditam ainda que "soluções criativas" para os locais sagrados resolverão o problema de Jerusalém sem que Israel tenha de se retirar da zona árabe da cidade. No que diz respeito à questão dos refugiados, esta resolver-se-á automaticamente por si só pela mera existência de um estado, que transformará os refugiados em cidadãos palestinianos residentes no estrangeiro com passaporte palestiniano. Segundo esta imaginação pragmática, embora muitos problemas fiquem pendentes, o estatuto legal dos refugiados resolver-se-á sem necessidade de regresso ou naturalização.
Este é actualmente o desafio. A indignidade que se desvenda em Genebra e Nova Iorque possui servos ávidos para os quais, mais do que nunca, os fins justificam os meios. Estes servos acreditam ser uma parte integrante da ordem internacional. Já não estão do lado de fora, como militantes revolucionários. Nem estão nas margens, como Arafat durante as Intifadas e no período após Oslo. E apesar da sua mera filiação na ordem internacional, eles imaginam que irão ter sucesso na sua busca por um estado. Encontramos aqui a fonte do desprezo por aquilo que os movimentos de libertação geralmente consideram como o centro da sua missão, ou seja, mobilizar o mundo contra os crimes da ocupação estrangeira na esperança de pelo menos refrear a mão do país que exerce a ocupação. Encontramos também um motivo para abandonar a própria ideia de conflito com a nação colonialista. Eles vêem-se a si próprios como pares hipotéticos desse estado, o que lhes dá o direito de usar os mesmos termos e a mesma linguagem pragmática, e de diminuir os apelos de justiça e respeito pelos direitos humanos, como fizeram escandalosamente quando votaram o Relatório Goldstone em Genebra.
Estão financeiramente corrompidos, colaboram em questões de segurança com a potência invasora, estabelecem uma entidade de governo repressivo com uma milícia para arrancar a própria noção de "solidariedade" da mente das pessoas e tomam parte num bloqueio económico cruel contra um grande número de concidadãos palestinianos. Estão, de facto, a agir de acordo com a natureza e espírito de uma ordem internacional que mente sobre crimes de guerra. Não vale sequer a pena tentarmos explicar as nossas razões a pessoas assim porque elas dir-nos-ão que estavam lá, que amadureceram e nós somos ingénuos. Pertencem a uma geração que teve um movimento de libertação, mas infectaram-no com a sua própria decadência antes que o movimento pudesse resultar num estado. Neste aspecto, deram provas de que não têm rivais.
Azmi Bishara
Al-Ahram Weekly, No. 968, 15-21/Outubro/2009
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Friday, 27 November 2009
Recensão do livro: “A Palestinian century in a poet's life”
Recensão do livro: “A Palestinian century in a poet's life”
My Happiness Bears No Relation to Happiness tem como título secundário “Vida de um poeta no século palestiniano. Mas para melhor se entender a biografia do poeta palestinano Taha Muhammad Ali redigida por Adina Hoffman, é quase preferível dizer: “Um século palestiniano na vida de um poeta”. Esta escorregadela sintáctica não pretende desacreditar o trabalho de Hoffman, já que, ao empilhar no topo das empoeiradas pedras da história uma série de lembranças fluidas, a obra de Hoffmann constitui um marco literário. Porque é a primeira biografia de um escritor palestiniano escrita em língua inglesa. Porque oferece uma biografia que evoca a Palestina anterior a 1948.
O elenco de lugares desaparecidos começa com a vila de Saffurriyya, plantada no cimo de uma colina na Galileia. A infância de Ali passada nesse espaço foi difícil mas idílica. O seu pai foi atingido pela poliomielite e tornou-se por isso incapaz de trabalhar, o que levou a família a viver na pobreza. Ali, nascido em 1931, frequentou a escola apenas por 4 anos, antes de começar a trabalhar para o sustento dos pais e família. Na altura em que devia estar a aprender matemática, Ali trabalhava como negociante, vendendo ovos em Haifa.
Por fim, Ali, um empresário inteligente, passou a gerir um quiosque na sua casa de família. Construiu assim um pequeno mas activo negócio, mas de olhos postos na sua noiva, Amira, que lhe fora prometida desde o nascimento, e cujo riso e porte gracioso, escreve Hoffman, “tinham entrado na sua corrente sanguínea tão profundamente que ela parecia quase fazer parte dele.”
A presença de Amira, juntamente com a suave Galileia, amaciou os duros contornos dos primeiros tempos da vida de Ali. A paisagem mais tarde evocada pela sua poesia e recreada no livro de Hoffman, vibra com vida e parece de certo modo diferente, quase mágico, do mundo circundante. Hoffman escreve:
“Os próprios espinhos pareciam ali emanar um odor doce, e apesar de não conseguir saber que perfume pertencia a cada uma das plantas, ou explicar como se apercebia da diferença entre a fragrância de um arbusto de Nazaré e a de um arbusto cujas raízes mergulhavam no solo de Saffuriyya, o rapaz estava convencido que, fiando-se no seu nariz, sabia perfeitamente quando passara a orla [da sua aldeia]…”
Saffuriyya estava situada numa terra fértil que rendia colinas de frutas, incluindo, as romãs mais procurada de toda a Galileia. Saffurriyya era uma “aldeia do Corão, de contos épicos e de heróis de tonalidades damasquinas ou cairotas”. E acima de tudo, Saffurriyya era um fio que prendia Ali e da sua família ao tecido da Palestina.
Mas o pano foi rasgado numa noite de Julho de 1948 quando as forças israelitas bombardearam a aldeia. Ali e a sua familia fugiram para o Libano. Ai, o jovem Ali furtava bens num campo de refugiados até à primavera de 49, quando ele e a sua familia regressaram ao recém baptizado Israel. Depois de passarem furtivamente a fronteira a coberto da noite, estabeleceram-se em Nazaré, a menos de 10 kms dos vestígios da sua aldeia. Ali abriu o quiosque que mais tarde se tranformou numa das duas lojas de recordações que hoje possui.
Apesar da sua carreira como poeta ter começado tarde, a loja de Ali em Nazaré era ponto de encontro de importantes figuras literárias palestinianas, incluindo Michel Haddad. Neste ponto, o livro torna-se, segundo Hoffman “numa espécie de retrato de grupo”. Hoffman explica: “Taha não é o único artista nesta história. Para entender Taha e o seu lugar nas letras palestinianas e árabes, é fundamental ter a consciência do tipo de personalidades com quem foi contactando ao longo dos anos”.
Muito embora o leitor possa perder ocasionalmente Ali de vista em My Happiness, este livro compele-o a procurar a sua poesia, que está disponível traduzida para inglês e compilada numa antologia intitulada: So What: New and Selected Poems 1971-2005 (tradução de Peter Cole, Yahya Hijazi and Gabriel Levin)
This land is a whore
Our land makes love to the sailors
and strips naked before the newcomers ...
there seems to be nothing that would bind it to us,
and I -- if not for the lock of your hair,
auburn as the nectar of carob ...
Your braid
is the only thing
linking me, like a noose, to this whore.
Esta terra é prostituta
Estende a mão aos anos… holding out a hand to the years ...
A nossa terra ama os marinheiros
E despe-se perante os recém-chegados…
Parece não haver nada que a ela nos una
E eu – não fora a madeixa do teu cabelo,
Avermelhada como o néctar da Alfarroba
A tua trança
É o que me liga, como um nó, a esta prostituta.
Neste poema, o cabelo acorrenta o narrador a uma terra que o irá trair e sufocar. Mas em “O lugar ou Espero que não possas digeri-lo” também publicado na antologia, a imagem do cabelo ganha outro sentido, desta vez como algo reconfortante:
E vim então a O Lugar
Onde estão as ovelhas balindo
E as romãs da noite
O cheiro do pão
E o tetraz?
Onde estão as janelas
E a tranquilidade da trança de Amira?
Quer na Antologia poética de Ali, quer na biografia de Hoffman (que o Booklist considera como uma das melhores biografias de 2009), a profunda e complexa relação de Ali com a terra é posta em evidência. Hoffman tem o cuidado de explicar as circunstâncias históricas de onde nasce esta ambivalência. My Happiness Bears No Relation to Happiness deve ser considerada como um complemento fundamental embora não um substituto para a obra de Ali. Do mesmo modo que há uma sintonia entre os poemas de Ali, também a obra de Hoffman convive harmoniosamente com a escrita de Ali, com a sua vida e com o seu tempo.
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Mya Guarnieri é uma jornalista e escritora baseada em Tel-Aviv e que contribui regular para o Jerusalem Post. O seu trabalho também comparece no Outlook india, no The National, no the Forward, Maan News Agency, Common Ground News Service, Zeek, The Khaleej Times, Daily News Egypt e em outras publicações internacionais.
Fonte: The Electronic Intifada, 20 Novembro 2009
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