Monday, 26 January 2009

Em Portugal

A guerra de Gaza não provocou um debate acesso somente nos media estrangeiros. Em Portugal, muitos artigos de opinião têm sido escritos e publicados na blogosfera. Aqui ficam algumas sugestões de leitura (Obrigada, Luís):


Do Militante Guevarista:

Massacre em Gaza: o que Israel conseguiu

É tempo de fazer um balanço do que Israel conseguiu com a sua ofensiva militar em Gaza "supostamente" contra o Hamas mas alvejando toda a população palestiniana.


Ao nível diplomático

Israel conseguiu danificar severamente as suas relações diplomáticas sobretudo com países latino-americanos mas também com países árabes. A 5 de Janeiro a República Islâmica da Mauritânia chamou de volta o seu embaixador em Israel (mantendo contudo a embaixada israelita na Mauritânia a funcionar). A 6 de Janeiro a República Bolivariana da Venezuela corta relações com Israel e expulsa o embaixador israelita de Caracas. A 11 de Janeiro a Jordânia toma uma atitude semelhante à Mauritânia e retira o seu embaixador de Israel, sem com isso por em causa a embaixada israelita nesse país. A 14 de Janeiro o Presidente da Bolívia, Evo Morales, ordena o corte de relações diplomáticas com Israel e anuncia que apresentará queixa contra o estado sionista por genocídio no Tribunal Penal Internacional.

Na Europa e nos Estados Unidos ficaram expostas a cumplicidade dos governos da Tríade Imperialista contra os povos que desejam a independência e o fim das ocupações colonialistas. Assiste-se à falência moral dos supostos mediadores neutrais da União Europeia, que estão implicados no armamento de Israel e na apologia do massacre sob a capa de uma falsa "legítima defesa". Já os Estados Unidos continuam iguais a si próprios a espalhar sofrimento e guerras pelo mundo enquanto lucram milhões com esse negócio da morte. O chamado complexo militar-industrial emerge como mais lucrativo sector da frágil e enfraquecida economia norte-americana.

Mas enfrentando a propaganda pro-sionista dos meios de comunicação social europeus, os partidos, sindicatos e movimentos de esquerda, além organizações de imigrantes e de direitos humanos, têm vindo a encher cada vez mais as ruas das capitais europeias com o justo protesto de centenas de milhares contra as atrocidades e crimes de guerra israelitas. Nos Estados Unidos acontece o mesmo um pouco por todo o país. E no Canada um Sindicato de Professores Universitários propôs que se banissem os académicos israelitas que apoiem o massacre em Gaza. Este é apenas um exemplo de uma ampla campanha de boicote a produtos e profissionais de Israel que apoiem as atrocidades sionistas.

Ao nível estratégico

Israel tem alianças estratégicas com países árabes cujos governos sofrem pressões de manifestações populares diárias para o rompimento dessas mesmas alianças. O caso mais destacado de fragilidade de um governo árabe pro-sionista é o do Egipto. O Egipto é único país árabe que ainda não retirou o seu embaixador de Israel. Além disso, o Presidente egípcio mantém uma postura claramente de ataque ao Hamas, que é a força política do governo eleito da Palestina, enquanto se permite a uma cooperação aberta com Israel, nomeadamente mantendo encerrada a fronteira egípcio-palestiniana de Rafah. O governo do Egipto desenvolve amplas relações económicas com Israel e tem participado de tentativas para derrotar a resistência palestiniana.

No entanto a população do Egipto está em pé de guerra com o seu governo como o demonstrou em recentes eleições ao ter votado massivamente na oposição, nomeadamente na Irmandade Muçulmana, apesar do resultado ter sido alterado por uma grande fraude eleitoral. Como se demonstrou também na revolta de muitos milhares de operários egípcios envolvidos num grande movimento grevista que desafiou o regime de repressão da Ditadura de Mubarak no ano passado. E agora finalmente com a revolta da população egípcia com o pro-sionismo de Mubarak e a sua cooperação na ofensiva de Israel ao negar apoio humanitário e refúgio aos palestinianos de Gaza.

As últimas notícias do Egipto demonstram um claro enfraquecimento do regime de Mubarak ao ponto de por em causa a sua manutenção no poder. Primeiro foram as manifestações de centenas de milhares de pessoas por todo o país, depois a insubordinação de militares egípcios na fronteira com Rafah, que rejeitaram o fecho da fronteira e apelaram à intervenção militar do Egipto ao lado dos palestinianos, e depois a decisão de um tribunal egípcio de banir o negócio do abastecimento de gás egípcio a Israel. O regime egípcio pode até sobreviver a esta ofensiva de Israel mas ficará seriamente debilitado.

Ao nível político e militar

Também se tem acentuado a decadência moral de Israel. Posso dar três exemplos rápidos. Em Fevereiro de 2008 o então Ministro da Defesa de Israel ameaçou que os Palestinianos de Gaza "irão trazer a si mesmos um maior 'shoah' porque nós usaremos todo o nosso poder militar para defendermo-nos". Ora "shoah" quer dizer holocausto em hebraico. Nos primeiros dias da ofensiva contra Gaza (2 de Janeiro) a Ministra de Negócios estrangeiros, Tzipi Livni, disse - apesar de já terem morrido centenas de palestinianos entre os quais muitas mulheres e crianças - que "não há crise humanitária em Gaza". A 13 de Janeiro o deputado israelita Avigdor Lieberman defendeu que o exército israelita "fizesse ao Hamas o que os Estados Unidos fizeram ao Japão durante a Segunda Guerra Mundial", numa clara ameaça de lançar a bomba atómica sobre Gaza.

Todas estas declarações fanáticas reforçam e muito a moral política do campo pacifista e da esquerda israelita. Assim cai por terra o argumento de que Israel procura apenas defender-se e obter segurança. É lógico que nenhum cidadão israelita ficará mais seguro com massacres de civis palestinianos (muitas vezes famílias inteiras) que acentuam o ódio e desespero dos palestinianos e também dos povos árabes vizinhos contra Israel. Ao se equivaler ao regime Nazi e às piores atrocidades do século XX o que Israel está a dizer é que não tolerará um Estado Palestiniano livre e independente. Tal como não aceita o governo democraticamente eleito do Hamas.

Entretanto o Hamas continua a mostrar capacidade militar para resistir ao "poderoso" exército Israel, mesmo nas condições mais extremas. O mesmo se pode dizer de grupos menores que também são legítimos representantes da resistência palestiniana em Gaza tais como: a Frente Popular para a Libertação da Palestina, a Jihad Islâmica, os comités de Resistência Popular e a Frente Democrática para a Libertação da Palestina. Apesar de diferenças ideológicas e religiosas a resistência palestiniana mostra um elevado grau de coesão, coordenação e determinação. Os foguetes da resistência continuam a chover sobre Israel. A batalha assemelha-se à história de David e Golias, enquanto Israel continua sem alcançar os seus objectivos militares. Além disso é certo que a fúria que Israel desatou nos palestinianos só pode aumentar as suas fileiras de militantes. A inspiração e o apoio técnico do Hezbollah - que derrotou o exército israelita no verão de 2006 - à resistência palestiniana certamente foi um factor de peso para mais este fracasso do projecto sionista.

Convém também deixar aqui claro que não me identifico com a ideologia do Hamas ou do Hezbollah mas defendo em concreto a resistência legítima e de auto-defesa contra a agressão sionista. Estas organizações cumprem um papel duplo enquanto forças políticas por um lado são forças de libertação nacional (ou seja, resistência) contra o colonialismo belicista de Israel mas por outro são forças islâmicas que defendem um estado islâmico, que não é mais que uma variante religiosa e autoritária do capitalismo, um projecto de que discordo.


Da Informação Alternativa

Gaza e o Ghetto de Varsóvia – um inventário de analogias

A invasão de Gaza pelo exército israelita reproduz uma série de padrões de procedimento bem conhecidos noutros genocídios do passado. Acusa-se o Hamas de ter provocado a invasão ao lançar morteiros sobre as antigas povoações palestinianas, hoje colonizadas por Israel. O nazismo afirmava também que tinham sido os judeus a provocar a nação alemã, através duma conspiração mundial contra ela. A Alemanha nazi nunca proclamou a sua intenção de exterminar os judeus e sim a necessidade de se “defender”.

Insinua-se que os palestinianos são um povo selvagem, como se prova pelo fracasso da administração palestiniana em Gaza desde a retirada israelita. Primeiro fecham-lhes as fronteiras marítimas, aéreas e terrestres, cortam-lhes o combustível, destroem-lhes as centrais eléctricas, paralisam-lhes a rede de saneamento básico, privam-nos de medicamentos e comida, obrigam-nos a viver com uma ração mínima de água, ainda por cima salobra. Depois apontam-lhes o dedo acusador. O nazismo procedera de forma idêntica ao preparar o extermínio dos Judeus. Expropriara-lhes casas e empresas, expulsara-os dos empregos. A partir de certa altura começara a ghettoização.

Em Gaza vive cerca de um milhão e meio de pessoas, quase todas sem nenhuma possibilidade de conseguir emprego e quase todas dependentes da ajuda alimentar da ONU, quando essa ajuda é autorizada a entrar. O território, que o sociólogo israelita Baruch Kimmerling descreveu como a maior prisão existente a céu aberto, está cercado por todo o tipo de muros. No ghetto de Varsóvia chegou a viver meio milhão de pessoas, também elas cercadas por um muro com 18 km de comprimento. Várias famílias foram empilhadas na mesma casa, em espaços limitados, com alimentação deficiente e condições de higiene indescritíveis. O resultado só podia ser o descalabro físico e psicológico da população ali concentrada, com milhares de pessoas a morrerem de fome ou de doenças curáveis. Depois de tornarem inevitável o descalabro, os nazis usaram o ghetto de Varsóvia como objecto de reportagens fotográficas e mesmo de um filme de propaganda, para mostrar como os judeus eram “sujos” e constituíam um risco de epidemias.

Durante um certo período, os palestinianos dos territórios ocupados eram vistos pelo Estado israelita como uma reserva de mão-de-obra barata e sem direitos. A economia israelita ganhava com essa massa de trabalhadores, até se perceber que com eles vinha também a resistência, nas suas mais variadas formas, desde as mais subtis às mais desesperadas. Aí passou-se a levantar cada vez mais dificuldades à contratação de trabalhadores palestinianos em Israel e a importar cada vez mais imigrantes doutros países. Do mesmo modo, os responsáveis nazis no Governo Geral da Polónia utilizaram até certa altura a mão-de-obra barata dos ghettos. É famosa a discussão entre os nazis “produtivistas”, que pretendiam continuar a explorar essa mão-de-obra, e os “atricionistas”, que pretendiam liquidar os ghettos e deportar os seus habitantes. Finalmente foram eles a prevalecer.

Diz-se que o Hamas deu “um golpe de Estado”, esquecendo que antes disso ganhara as eleições e fora afastado do governo pela potência sitiante. A verdade é que o Hamas era visto como um símbolo da resistência e a Fatah era identificada com a capitulação. Em consequência, o Hamas ganhou cada vez mais apoio popular e a Fatah passou a receber armamento ligeiro e facilidades logísticas de Israel. As tensões entre ambos foram artificialmente estimuladas a partir de fora. No ghetto de Varsóvia, havia organizações de resistência, principalmente socialistas e sionistas de esquerda, e havia polícias judeus armados pelos nazis. O confronto entre ambos era constante. A resistência cobrava um imposto revolucionário aos proprietários e, sempre que podia, castigava duramente os colaboracionistas judeus.

Atribui-se ao Hamas a intenção maquiavélica de fazer morrer as crianças palestinianas para ter muitos trunfos na sua agitprop internacional. Pouca atenção se dá à preocupação dos adultos palestinianos em evitar que as crianças corram riscos a apedrejar as forças ocupantes. Mas a população judia do ghetto constantemente enviava as suas crianças ao lado cristão de Varsóvia, com risco de vida, para levar mensagens ou fazer contrabando, porque as crianças tinham mais facilidade em passar por brechas do muro.

Acusa-se os palestinianos de criarem uma rede de túneis destinados ao contrabando de armas a partir do Egipto. O constante trabalho de escavação realizado pelos palestinianos seria uma prova da sua conspiração contra a paz. Por esses túneis passa algum armamento, mas passam essencialmente abastecimentos em comida e medicamentos. Ao prepararem-se para a insurreição do ghetto, as organizações de resistência judia escavaram milhares de bunkers subterrâneos. Após a derrota, a via de fuga foi mais uma vez subterrânea: os insurrectos utilizaram a rede de esgotos para escaparem.

O “sofisticado” armamento palestiniano viria, alegadamente, da Rússia, da China ou do Irão; o seu financiamento viria dos emiratos árabes. A verdade é que os palestinianos fabricam morteiros artesanais a partir de adubos, misturados em suas casas com colheres de pau e outros instrumentos de alta tecnologia, como mostrou uma recente reportagem de Henrique Cymermann. Os governos árabes mais uma vez os abandonaram à sua sorte, quando não os apunhalaram cinicamente pelas costas, como fazem o Egipto e a Arábia Saudita. Os combatentes judeus do ghetto de Varsóvia foram também quase totalmente abandonados pela resistência nacionalista polaca e viram-se obrigados a fabricar em suas casas cocktails Molotov e bombas artesanais.

Afirma-se que o Hamas (como em 2006 o Hezbollah) se mistura com a população para a utilizar como “escudo humano”. Mas os insurrectos do ghetto de Varsóvia viveram e combateram até ao fim no meio da população que queriam defender.

A demolição dos edifícios é a táctica israelita que denuncia a sua estratégia de limpeza étnica. Os sobreviventes, privados de um tecto, deverão ser tentados a emigrar. No ghetto de Varsóvia, os bombardeamentos aéreos e a utilização dos lança-chamas revelavam as intenções nazis de liquidação do ghetto.

Não é por acaso que em 2002 o exército israelita distribuiu aos seus quadros, como verdadeiro breviário para a acção contra os palestinianos, o relatório do general das SS Jürgen Stroop, que comandou a destruição do ghetto. Perante o escândalo público causado por essa revelação, o porta-voz do governo de Sharon, Rahanan Gissen, explicou que a escolha se justificava simplesmente por serem muito semelhantes as condições de combate aos palestinianos e as condições de combate aos insurrectos do ghetto. Em Fevereiro de 2008, o vice-ministro da Defesa israelita Matan Vilnai avisou que Israel iria fazer cair sobre Gaza um verdadeiro “Holocausto”. E está a cumprir a ameaça.


António Louçã

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