Saturday, 2 January 2010

A Arquitectura de Ocupação de Hebron

fonte:EI


Por: Sarah Lazare e Clare Bayard escrevendo a partir de Hebron, na Cisjordânia ocupada, Live from Palestine, 23 de Novembro de 2009

tradução: Ana Cecilia Fonseca, equipa da Todos Por Gaza




A palavra “vingança” é rabiscada em hebraico numa escola palestina em Hebron, na Cisjordânia ocupada. As janelas são cobertas com telas/redes e os jardins e quintais são também cobertos com redes com arame farpado, para obstruir as pedras regularmente atiradas por colonos judeus. O espaço entre a escola e o prédio vizinho é bloqueado com grandes tábuas de madeira, para garantir que as crianças das escolas palestinianas não invadam o território dos colonos. Os checkpoints mais próximos e as câmeras colocados nos telhados servem como lembrança permanente de que cada movimento dessas crianças é motorizado e gravado.



Este episódio relativamente ao recreio, num fim de semana sem ninguém, ilustra a separação e contenção que ficou gravada na arquitectura de Hebron. Nesta cidade, onde 1.500 soldados israelitas estão estacionados todos os dias, os 170.000 palestinos que vivem aqui são mantidos sob vigilância constante, os seus movimentos são limitados enquanto a sua segurança se encontra em constante ameaça. Os colonos judeus que têm migrado desde a década de 1970, chegando agora ao número de 800, são conhecidos por atacar os palestinos de forma repetida enquanto os soldados israelitas cruzam os braços.



Ao andar em Hebron parece que se está num pesadelo. Shuhada Street, uma das principais estradas, é usada apenas por colonos que viajam a pé ou carros velozes, soldados e polícia, e carregamentos de cães de luta. Os palestinos que vivem nesta rua têm que escalar as suas casas a partir da retaguarda ou atravessando os telhados vizinhos, escavando buracos nas suas paredes, ou, como uma menina que observámos, escalando através de uma corda para o segundo andar. As suas portas da frente foram soldadas ou barricadas com metal enferrujado, como também foram fechados os estabelecimentos comerciais em Hebron por ordem militar. As ruas são fechadas com cimento e fios de arame farpado.



“Segurança é, aqui, a palavra mágica”, diz Hisham Sharabati, um jornalista que tem vivido em Hebron a maior parte da sua vida, apontando para um posto de controlo militar israelita na entrada da mesquita Ibrahimi, no meio da Cidade Velha. “Israel usa essa palavra da forma que mais lhe agrada, para justificar o atropelo dos direitos humanos dos palestinos.



Em 1994, um colono de origem americana chamado Baruch Goldstein abriu fogo na mesquita onde se encontra o túmulo de Abraão, um local sagrado para muçulmanos, judeus e cristãos. Vimos a estrutura partida e com buracos de bala no arco que aponta em direcção a Meca. Foram mortos 29 palestinos enquanto rezavam. Qual foi a resposta? Os palestinos foram colocados sob um recolher obrigatório de 30 dias, o mercado de frutas e vegetais foi encerrado, e o “sistema de separação” foi aperfeiçoado. Desde então, os palestinos que vivem em Hebron têm sido controlados pelos militares e atacados pelos colonos – uma estrutura de “segurança” que muitos dizem ter sido destinada a afastar os palestinos para abrir caminho para os colonos.

A cidade encontrava-se dividida entre área H1 – controlada pela Autoridade Palestina, e a área H2, controlada pelos militares israelitas. Dentro da área H2, bairros judeus e palestinos foram isolados por uma matriz de estradas, muitas delas fora do alcance do uso dos palestinos. Mercados muito activos e centros da cidade foram fechados, alguns deles retomados, lentamente, por colonos judeus, outros transformaram-se em cidades fantasmas guardadas por postos de controlo militar. Os soldados israelitas patrulham agora todas as ruas na área H2, numa táctica que serve de lembrança constante da presença militar israelita.



Os colonos judeus alegam o seu direito à terra, invocando um massacre sangrento acontecido em 1929 e que matou 67 judeus. Existem diversos relatos desta tragédia: Mikhael Manekin do Breaking the Silence, um grupo de ex-soldados israelitas que agora fala do que presenciou e dos actos que cometeram, disseram-nos que muitos dos assassinos entraram cercando as aldeias. Afirma que vários moradores palestinos arriscaram as suas vidas para defender os judeus, e a alguns deles foram premiados com certificados de agradecimento por organizações judaicas por tal postura. Hoje, os colonos usam o massacre de 1929 para justificar o afastamento dos residentes palestinos de Hebron e das suas casas, um cartaz afixado no meio do colonato diz: “Estes Árabes estão a viver em terra roubada”.



O que aconteceu em 1929 foi terrível, mas não justifica o desalojamento em massa e a sistemática degradação de um povo. O massacre tem sido utilizado para atingir os árabes e perpetuar o racismo de uma forma que nunca foi utilizada para atingir populações europeias culpadas do massacre de judeus em muito maior escala. A paisagem dolorosa de Hebron é um exemplo de como o trauma pode gerar trauma: uma população de judeus, traumatizada por um histórico de violência e discriminação, voltou-se traumatizou outro povo, e actuando assim, está a provocar incontáveis danos à sua própria comunidade. Os colonos aqui ocupam uma cidade que se tornou um viveiro de religiosos/tensões étnicas e flagrante discriminação racial. Isto não é bom para quem cresce neste ambiente, seja israelita ou palestino.



Hisham Sharabati, o jornalista, guiou-nos por toda a cidade durante a manhã inteira; à tarde, reunimo-nos com Mikhael, que, como israelita, poderia levar-nos até às áreas Hisham onde é proibido entrar, toda a sua vida viveu em Hebron. Mikhael explicou que existem dois ou três soldados por colono, numa relação claramente destinada a controlar a grande população palestina. Ao invés de correlacionar a presença militar com a quantidade de colonos, a lógica utilizada é na base da contenção militar e controlo do “inimigo”, sob pretexto de protecção. Mikhael serviu como oficial em Hebron, e agora é um dos membros do “Breaking the Silence” que organiza “tours” para os israelitas e internacionais.



Os colonatos em Hebron são ilegais segundo a lei humanitária internacional. Os mapas oficiais da cidade, os quais são documentos utilizados pelos tribunais israelitas, são extremamente imprecisos. Afirmam que nas ruas fantasma, imensamente isoladas com cimento e metal, estão a funcionar ruas e praças. Caminhando pelas ruas de Hebron, encontra-se uma cidade esculpida pela presença militar violenta e a constante ameaça de violência por parte dos colonos.

Algumas estradas têm uma uma barreira de cimento que se situa ao longo da borda, deixando poucos metros para os palestinos caminharem enquanto que aos colonos são reservadas duas faixas largas. Os “souks”, os mercados da Cidade Velha, têm arame farpado, ou um excesso de redes improvisadas: protecção insuficiente contra os ataques dos colonos que vivem nos andares de cima. As redes ficam pesadas com lixo, tijolos, blocos enormes de cimento e sacos de plásticos rasgados, contendo resíduos humanos, quando estouram em cima do povo e em prateleiras de mercadorias que se encontram em baixo. Hisham disse-nos que um jovem se encontrava em coma depois de uma haste metálica aguçada ter caído através da rede e penetrado o seu crânio. Agora, quando alguém olha para cima, podem-se observar pilhas de objectos que foram retidas pela rede: pés de cabra, tijolos, pedras, cadeiras. Enquanto passeávamos por um mercado, vimos uma colona a atirar areia do seu apartamento, situado no terceiro andar, para cima de um mercado lotado de palestinos que foram fazer as suas compras. Caiu sobre a cabeça de uma mulher palestina, bem como sobre um dos membros da nossa delegação, Eddie, que por causa da sua natureza mexicano-americana é muitas vezes confundido com árabe ao longo desta viagem.



Um homem mais velho que mora na beira da Shuhada Street explica que tem de pedir autorização, quando os filhos ou netos o querem visitar em sua casa. Não lhe são permitidos quaisquer outros visitantes, como acontece com todos os palestinos residentes na zona H2. Por outro, os filhos dos colonos podem fazer viagens de campo pela sua rua. Observamos um grupo de ensino primário de crianças colonas a caminhar por Shuhada, acompanhadas por adultos com espingardas ao ombro.

Observando através de um telhado com vista para a Cidade Velha, podemos ver construções de cimento e de pedra, pontuada com bases militares no centro da cidade, e nos montes opostos. Estas instalações militares ou expulsaram ou foram construídas sobre os telhados de pessoas que vivem no último andar. Muitos dos telhados contém depósitos de água, um armazenamento importante para um bairro cuja água é desviada para os colonatos situados nas proximidades e mais tarde é vendida a preços mais elevados aos palestinos.

Nas colinas ao sul do monte Hebron, colonos atacam palestinos que vão pastar os seus rebanhos. Um amigo falou-nos de uma aldeia que foi expulsa em 2000, e até algumas semanas atrás, estava a viver em cavernas perto das suas terras. Um tribunal israelita declarou que eles poderiam voltar para a sua aldeia, na sexta-feira colonos atacaram os seus rebanhos e matou um cordeiro. Quando activistas de solidariedade israelitas chamaram a polícia, que chegou horas depois, esta acusou os palestinos idosos de terem morto o seu próprio animal para incriminar os colonos.

O acompanhamento das colheitas nos olivais é prioridade não só porque as oliveiras sustentam muitas pessoas, mas também porque as lacunas jurídicas são usadas para tirar terra aos palestinos se não as conseguirem suprir num dado período de tempo. É uma reminiscência das leis de domínio eminente usadas para roubar a terra dos residentes na baixa de Ninth Ward de New Orleans: se os habitantes de New Orleans deslocados não conseguiram voltar à cidade de forma regular, a tempo de cortar a sua relva, a cidade reivindicaria a sua parcela – muitas vezes um lote apenas com as fundações onde a casa se encontrava resultava de uma explosão provocada pelo furacão que era a parede que sustinha a água.



Activistas de solidariedade escoltam filhos à escola para protegê-los dos colonos que atiravam pedras, e caminham com pastores para as suas terras de pasto. As crianças colonas atiram pedras às crianças palestinas a caminho da escola – crianças com menos de 14 anos não podem ser responsabilizadas, disse-nos Mikhael, então são cautelosos com as pessoas que atiram pedras. Uma escola, por fim, teve que mudar os seus horários e dias para que as crianças que caminhassem até à escola não fossem atacadas por crianças colonas que estivessem em casa – são a única escola palestina a não a abrir aos sábados e as crianças não têm intervalos para que possam sair mais cedo de forma a chegarem em segurança a casa. “Os palestinos são os que tomam os encargos da política da separação nas suas vidas”, disse Hisham.



Residentes palestinos em Hebron foram-se organizando para revitalizar as suas comunidades e desafiar a ocupação militar e a violência dos colonos. A Comissão de Reabilitação de Hebron fixa sanções nos bairros agredidos para incentivar as pessoas a voltar, plantação de jardins e pintura de fachadas em ruínas. A Juventude contra Colonatos organizou acções directas criativas: um protesto recente envolveu a criação de postos de controlo falsos ao lado dos dos israelitas, sendo presos passados cinco minutos mas deixando a chamada de atenção para as condições em que vivem.



Hebron situa-se no centro de lutas de poder e alianças globais em redor de Israel. Esta cidade é a conclusão lógica de um estado religioso/étnico – uma cidade onde a ocupação militar se insere no tecido da vida quotidiana e os moradores são obrigados a construir fortalezas para se proteger de pedras e tijolos. A partir do encerramento de centros na cidade, com portas soldadas e câmaras de segurança apontando para o vazio, para o acampamento das bases militares que ficam no centro da cidade, esta á a realidade do actual estado de Israel. Isto é o que nós, como cidadãos da U.E., estamos a apoiar, quando o nosso governo envia ajuda militar para que Israel possa comprar tanques e armas para patrulhar estas ruas.



Sarah Lazare trabalha para ajudar a construir a resistência GI contras as guerras em curso no Iraque e Afeganistão como um membro colectivo da Coragem para Resistir (Courage to Resist), e organiza a justiça económica e social na sua comunidade. É também uma escritora freelance.



Clare Bayard organiza com a Liga de Resistentes contra a Guerra (Resisters War Euague) e o Projecto Catalyst em ligação com a luta contra as guerras provocadas pelos E.U.A. em casa e no exterior, inclusive a ocupação israelita apoiada pelos E.U.A.
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