Friday 26 June 2009

A necessidade de um boicote cultural

fonte:EI

por Ilan Pappe


Se há alguma coisa de novo na história interminável da Palestina é a clara mudança da opinião pública do Reino Unido. Quando vim para estas ilhas em 1980, recordo que o apoio à causa Palestiniana estava confinado aos sectores da esquerda e a uma secção muito particular da corrente ideológica. O trauma pós-Holocausto e o complexo de culpa, os interesses económicos e militares e charada de Israel como única democracia no Médio Oriente tiveram o seu papel na concessão de imunidade ao Estado de Israel. Parecia que poucos se comoviam com o facto de um Estado ter expulso metade da população nativa da Palestina, de ter demolido metade das suas aldeias e cidades, de ter discriminado a minoria que vivia entre eles, dentro das suas fronteiras através de sistema de apartheid e de ter dividido 2.5 milhões de pessoas em enclaves através de uma ocupação militar dura e opressiva.

Quase 30 anos depois, parece que todos estes filtros e personagens foram removidos. A magnitude da limpeza étnica de 1948 é bem conhecida, o sofrimento das populações nos territórios ocupados foi recordado e descrito até pelo presidente dos EUA como insuportável e desumano. De forma semelhante, a destruição e desertificação da grande área de Jerusalém é verificada diariamente e natureza racista das políticas dirigidas aos Palestinianos em Israel é frequentemente censurada e condenada.

Hoje, em 2009, a realidade é descrita pela ONU como “uma catástrofe humana.” Os sectores conscientes e conhecedores da sociedade britânica sabem muito bem quem causou e quem produziu estas catéstrofe. Isto já não está ligado a circunstâncias indefinidas ou ao “conflito” – é claramente visto como o resultado das políticas israelitas ao longo dos anos. Quando o Arcebispo Desmond Tutu foi questionado acerca do que viu nos territórios ocupados, ele respondeu tristemente que era pior que o apartheid. Ele deve saber.

Tal como no caso da África do Sul, estas pessoas decentes, como indivíduos ou como membros de organizações, denunciam a sua indignação contra a opressão, a colonização, a limpeza étnica e fome contínuas na Palestina. Estão à procura de formas de mostrar o seu protesto e alguns até esperam convencer o governo a mudar a sua velha política de indiferença e inacção perante a contínua destruição da Palestina e dos palestinianos. Muito de entre eles são judeus enquanto que, segundo a ideologia sionista, estas atrocidades são feitas em seu nome. Bastantes são veteranos de lutas civis prévias travadas neste país por causas similares por todo o mundo. Já não estão confinados a um único partido político e vêm de todos os quadrantes da vida.

Até agora o governo britânico não se comoveu. Também foi passivo quando o movimento anti-apartheid do seu país exigiu que impusesse sanções à África do Sul. Foram necessárias décadas para que esse activismo de base chegasse ao topo político. É necessário mais tempo no caso da Palestina: a culpa sobre o Holocausto, as narrativas históricas distorcidas e a actual representação errada de Israel como democracia à procura da paz e dos palestinianos como eternos terroristas islâmicos, bloqueiam o impulso popular. Apesar das contínuas acusações de anti-semitismo e da demonização do Islão e dos árabes, está a começar a encontrar o seu caminho e a sua presença. O terceiro sector, importante para fazer a ligação entre os civis e as instituições governamentais, mostrou-nos o caminho. Um sindicato atrás do outro, uma classe profissional atrás da outra, enviaram uma mensagem clara: basta! É feito em nome da decência, da moral humana e dos mais básicos compromissos civis, não permancer inactivo perante as atrocidades do tipo que Israel cometeu e continua a cometer contra o povo palestiniano.

Nos últimos 8 anos, a política criminosa israelita aumentou e os activistas palestinianos procuram novos meios de confrontá-la. Tentaram tudo, luta armada, luta de guerrilha, terrorismo e diplomacia: nada resultou. Contudo, não desistiram e agora propõem uma nova estratégia não violenta – boicote, sanções e desinvestimento. Através destes meios querem convencer os governos ocidentais, não apenas a salvarem-nos, mas ironicamente a salvarem também os judeus em Israel de uma catástrofe iminente. Esta estratégia fez nascer o apelo ao boicote cultural a Israel. Todas as comunidades da existência palestiniana dão voz a esta exigência: a sociedade civil que vive sob a ocupação e os palestinianos que vivem em Israel. É apoiado pelos refugiados e é liderado por membros das comunidades palestinianas exiladas. Chegou no momento certo e deu às pessoas e às organizações do Reino Unido uma forma de expressarem o descontentamento relativamente às políticas israelitas e ao mesmo tempo é uma forma de participação na pressão sobre o governo para que mude a sua política de conceder imunidade à impunidade no terreno.

É impressionante o facto desta mudança na opinião pública ainda não ter tido influencia na política. No entanto, devemos lembrar-nos do caminho tortuoso que a campanha contra o apartheid teve de percorrer antes de se tornar numa política. Vale ainda a pena recordar as duas mulheres corajosas em Dublin, trabalhadoras numa caixa de supermercado, e que começaram um enorme movimento ao recusarem-se a vender produtos provenientes da África do Sul. Vinte e nove anos depois, a Grã-Bretanha juntou-se a outros países ao impor sanções contra aquele país. Portanto, enquanto os governos hesitam hipocritamente, com medo de serem acusados de anti-semitismo ou ainda devido à inibições islamofobicas, os cidadãos e activistas fazem o seu melhor, simbólica e fisicamente, para informar, protestar e exigir. Têm uma campanha do boicote cultural mais organizada ou podem juntar-se aos sindicatos para coordenar uma política de pressão. Podem ainda usar o seu nome e fama para nos dizer que as pessoas correctas neste mundo não podem apoiar o que Israel faz e defende. Não sabem se as suas acções vão ter efeito imediato ou se terão a sorte de ver as coisas mudarem durante o seu tempo de vida. No entanto, perante aquilo que são e o que fazem e perante a visão da história, serão contados entre aqueles que não se tornaram indiferentes face à desumanidade disfarçada de democracia nos seus países ou em qualquer outro sítio.

Por outro lado, os cidadãos deste país, especialmente aqueles famosos que continuam a transmitir, frequentemente com ignorância ou por outras razões mais sinistras, a fábula de Israel como sociedade culturalmente ocidental ou como “a única democracia no Médio Oriente”, estão simplesmente errados! Concedem imunidade a uma das maiores atrocidades do nosso tempo. Alguns deles afirmam que devemos deixar a cultura fora dos actos políticos. Esta abordagem da cultura e academia israelitas como entidade separadas do exército israelita e a ocupação e destruição são moralmente corruptos e logicamente defuntas. Eventualmente, a indignação vinda das bases, incluindo as bases israelitas, originará uma nova política – a nova administração norte-americana já está a dar alguns sinais disso. A História não viu com bons olhos aqueles cineastas que colaboraram com o Senador Joseph McCarthy nos anos 50 ou aqueles que apoiaram o apartheid. A atitude para com aqueles que agora são silenciosos sobre a Palestina será semelhante.

Um bom caso desenrolou-se no mês passado em Edimburgo. O cineasta Ken Loach liderou uma campanha contra as ligações financeiros do festival de cinema da cidade com a Embaixada Israelita. Esta posição tinha como objective enviar uma mensagem de que esta embaixada representa não apenas os cineastas de Israel mas também os seus generais que massacraram as populações de Gaza; os seus perseguidores que torturam os palestinianos nas prisões; os seus juízes que enviaram 10 000 palestinianos – metade deles crianças – para a prisão sem julgamento; os seus munícipes racistas que querem expulsar os árabes das suas cidades; os seus arquitectos que constroem muros e redes para isolar as pessoas e impedi-las de chegar aos seus campos, escolas, cinemas e empregos; e os seus políticos que continuam a elaborar estratégias para completar a limpeza étnica da Palestina que começou em 1948. Ken Loach sentiu que apenas um apelo ao boicote do festival como um todo poderia trazer uma perspective moral aos seus directores. Estava certo. Resultou por o caso está delineado e os actos são puros e simples.

Não é surpreendente que uma voz contrária tenha sido ouvida. Esta é uma luta contínua e não será ganha facilmente. À medida que escrevo estas palavras, comemora-se o quadragésimo segundo aniversário da ocupação israelita – a mais longa e mais cruel dos tempos modernos. Mas o tempo também produziu a lucidez necessária para estas decisões. É por isto que a acção de Ken foi tão rapidamente efectiva. Da próxima vez, isto já não será necessário. Um dos críticos tentou demonstrar que o povo de Israel gosta dos filmes de Ken, portanto, isto era uma espécie de ingratidão. Posso assegurar a este crítico que as pessoas que apreciam os filmes de Ken também o saúdam pela sua coragem e, pelo contrário, não pensamos que isto é uma forma de apelar à destruição de Israel mas sim uma forma de salvar os judeus e árabes que ali vivem. De qualquer forma é difícil levar a sério este tipo de críticas quando são acompanhadas pela descrição dos palestinianos como uma entidade terrorista e Israel uma democracia como a Grã-Bretanha. Aqui no Reino Unido, a maioria de nós já se distanciou desta propaganda ridícula e estamos prontos para a mudança. Esperamos agora que o governos destas ilha nos siga.

Ilan Pappe é o director do Departamento de História da Universidade de Exeter. Este ensaio foi originalmente publicado por pulsemedia.org e foi republicado com a autorização do autor.

Traducao: Ana Sophia Gomes (Vila Real)
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